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Murata (VI) – Shirk

MurataVI

O primeiro princípio da fé é o tawhid, a afirmação de que Deus é único. O significado do tawhid é expresso de forma mais concisa na primeira Shahada, que é chamada de “A sentença do tawhid” (kalimat al-tawhid). “Não há deus senão Deus” significa que existe apenas um único objeto verdadeiro e digno de adoração, Deus. Todos os outros objetos de adoração e serviço são falsos. Servir a qualquer outra coisa é cair em erro e desvio. É ser culpado do pecado do shirk.

Shirk significa “compartilhar, ser um parceiro, fazer alguém compartilhar, dar a alguém um parceiro, associar alguém a outro”. No contexto teológico, shirk significa dar parceiros a Deus e, por implicação, adorá-los junto com Deus ou exclusivamente em vez de Deus. O Alcorão emprega a palavra em setenta e cinco versículos. Nós a traduziremos como “associar outros (a Deus)”. Adorai a Deus e não Lhe associeis outros. (4:36) Não associeis outros a Deus; associar outros é um grande erro. (31:13) Dize : Certamente Deus é um só Deus. Certamente estou livre daquilo que associam. (6:19) Dize: Só me foi ordenado adorar a Deus e não Lhe associar coisa alguma. (13:36) A evitação de associar outros a Deus é, portanto, uma parte central da mensagem corânica, porque nada mais é do que o reverso do tawhid. Dado o fato de que a sentença do tawhid é o primeiro pilar do Islã e o próprio tawhid é o primeiro princípio do Islã, começa-se a entender por que o shirk é tão fortemente criticado e por que, de acordo com o Alcorão, é o único pecado imperdoável: Deus não perdoa que se Lhe associe outros, mas, abaixo disso, perdoa a quem Ele quiser. (4:48, 4:116) Se alguém associar outros a Deus, Deus lhe proibirá o paraíso. (5:72) Como a compreensão do tawhid é tão fundamental para o Islã, um pouco mais de reflexão sobre a natureza do shirk será útil. Como diz o provérbio árabe: “As coisas se tornam conhecidas por seus opostos”. Entendemos o dia através da noite e a noite através do dia. Da mesma forma, podemos entender o tawhid se compreendermos o que é o shirk.

O sentido literal do termo shirk pode sugerir que é preciso estar consciente de associar outros a Deus para ser culpado disso. Como posso dar um parceiro a alguém se não conheço esse alguém? Então, pode-se raciocinar, se não sabemos sobre Deus e adoramos outra coisa, não somos culpados de shirk. Esta é uma questão complexa, e várias abordagens podem ser tomadas. Tentaremos uma resposta muito básica, sem entrar nos detalhes teológicos.

A maioria dos pensadores muçulmanos sustenta que o conhecimento do tawhid pertence ao que significa ser humano. Está na natureza humana original (fitra), já que os seres humanos foram criados sabendo que “Não há deus senão Deus”. Os profetas foram enviados para lembrá-los do que já sabem. Portanto, associar outros a Deus é ir contra os instintos mais fundamentais da espécie humana. É, por assim dizer, trair a natureza humana e até mesmo deixar o domínio da existência humana. Isso explica por que é um pecado tão grave: é a subversão do que nos torna humanos. Nessa visão, alegar ignorância do tawhid equivale a alegar não ser humano. No outro mundo, o paraíso é o reino humano, enquanto o inferno é o reino daqueles seres que começaram como humanos mas não viveram de acordo com sua humanidade.

Ao discutir o shirk, é preciso ter em mente a natureza das coisas que podem ser associadas a Deus. Não é apenas uma questão de adorar um ou mais seres além de Deus, ou servir a ídolos no sentido cru e literal do termo. Lembre-se de que o capricho é um deus e que aqueles que seguem o capricho são mushriks (associadores de outros a Deus). Seguir as próprias opiniões e sentimentos, portanto, é uma forma de shirk. Segundo muitas autoridades, é uma forma pior de shirk do que a adoração de ídolos, porque a adoração de ídolos é clara e evidente e, portanto, relativamente fácil de lidar e curar. Mas a adoração do capricho é oculta e frequentemente encontrada em pessoas que aparentam ser muito piedosas externamente.

A maneira de curar o shirk óbvio é observar a Shariah. Em outras palavras, quando as pessoas seguem a primeira dimensão do Islã, elas obedecem às instruções de Deus. Portanto, suas atividades são colocadas em ordem correta. No entanto, o shirk oculto não pertence ao domínio do islam, mas sim ao iman e ao ihsan, a segunda e terceira dimensões. É muito mais difícil de reconhecer e remediar do que o shirk óbvio. Não se trata mais apenas de realizar certas atividades para estabelecer a forma externa do tawhid; agora é uma questão de alinhar pensamentos, compreensão, atitudes e qualidades morais com o tawhid.

O Profeta disse que lhe foi ordenado guerrear contra as pessoas até que dissessem a Shahada. Então, com esse reconhecimento verbal do Islã, elas se tornavam membros da comunidade. A boa posição de sua membresia era confirmada quando observavam o restante dos Cinco Pilares. Como o Profeta disse (e aqui vemos novamente a importância primordial da oração ritual), “Abandonar o salat lança um homem no shirk e no ocultamento da verdade”. Mas observar o salat é externo e não nos diz necessariamente nada sobre o que está acontecendo internamente. As pessoas podem observar a Shariah, mas isso não significa que a fé entrou em seus corações. Vários hadiths expressam a preocupação do Profeta com as atitudes e pensamentos das pessoas. Um de seus companheiros relatou o seguinte: O Profeta saiu para nós de sua casa enquanto estávamos discutindo o Anticristo. Ele disse: “Devo lhes contar algo que é mais assustador para mim do que o Anticristo?” As pessoas responderam que sim. Ele disse: “O shirk oculto. Ou seja, que um homem realize o salat e o faça belamente por causa de alguém que está observando.” Outro hadith deixa completamente claro que a idolatria ou paganismo nos sentidos comuns desses termos não esgotam o que está em questão nas discussões sobre shirk: “A coisa mais assustadora que temo para minha Comunidade é associar outros a Deus. Não quero dizer que eles adorarão o sol, a lua ou ídolos. Quero dizer que realizarão obras por outros motivos que não Deus, com um desejo oculto.” Para resumir, os muçulmanos entendem Deus como o único objeto verdadeiramente digno de adoração e serviço. Servir a qualquer outra coisa que não Deus é trair o impulso fundamental da natureza humana original. Shirk, ou associar outros a Deus, implica não apenas adorar mais de um deus, mas também seguir os próprios desejos ou qualquer coisa menos que a orientação de Deus.

Nesta primeira visão, o tawhid tem uma aplicação eminentemente prática, porque se refere ao curso cotidiano da vida. Explica que tipo de motivos devem governar a atividade e, portanto, está intimamente relacionado ao ihsan, a terceira dimensão do Islã. O shirk é a causa subjacente de todos os motivos errados. É ver dois ou mais quando há apenas um. Resulta em todo tipo de desvio, erro e perda.

Se tawhid significa adorar apenas Deus, enquanto shirk é adorar outros deuses, podemos perguntar como devemos adorar a Deus e evitar a adoração a outros. A primeira resposta, claro, é o islam no sentido mais estrito — a Shariah. Mas a Shariah se aplica apenas à atividade. E os motivos, compreensões, atitudes? Como podem ser alterados e harmonizados com o tawhid? Para responder a essas perguntas, devemos ter uma compreensão mais clara do que estamos falando quando usamos a palavra Deus. Esta é a tarefa para o restante desta seção.

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