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Murata (VI) – tanzih ou tashbih

MurataVI

A definição do Profeta diz: “Fazer o que é belo é adorar Deus como se o visses, porque, se não o vês, Ele te vê.” Aqui, o Profeta enfatiza a atitude e a intenção por trás da atividade externa exigida pelo islamismo. Seu ponto pode ser entendido facilmente ao observarmos a maneira como fazemos as coisas na vida cotidiana. Por exemplo, a lei proíbe dirigir acima do limite de velocidade. Muitas pessoas obedecem à lei, mas outras só a seguem por medo de que haja uma viatura policial escondida logo à frente; e, se um carro da polícia estiver logo atrás, jamais cogitariam ultrapassar o limite.

O Profeta ensina que as pessoas devem adorar Deus—isto é, observar os Cinco Pilares e, de forma geral, agir em tudo como se Deus estivesse num carro de patrulha logo atrás delas. Mesmo que não vejas a viatura, podes estar certo de que Ele emprega meios que nenhum detector de radar jamais conseguirá enganar. “Deus está contigo onde quer que estejas” (57:4), e não há escapatória.

A atitude exigida pelo ihsan pode ser dominada por tanzih ou tashbih, ou pode combinar ambas em igual medida. No exemplo da viatura, recorremos à severidade e à ira, atributos de tanzih: “O sultão é a sombra de Deus”—ou seja, Deus visto como rei e comandante. Os policiais são os braços do sultão—os rigorosos aplicadores da lei. Nessa perspectiva, as pessoas adoram Deus por medo das consequências se não seguirem Seus mandamentos. São servos do Senhor e devem obedecer-lhe sob pena de prisão—Sijjin, o poço mais profundo do inferno.

Mas nem toda ação é motivada pelo medo. Muitas vezes, as pessoas fazem coisas por amor e pelo desejo de se aproximar do objeto do seu afeto. Assim, a motivação é uma esperança e uma confiança enraizadas nos atributos de tashbih, como misericórdia, gentileza e generosidade. Quando um jovem faz tudo o que sua namorada lhe pede, pode ser porque deseja casar-se com ela. Ele tem um objetivo em mente. Certamente, ele age de forma diferente se ela está ao seu lado ou se partiu para uma viagem com sua família. Naturalmente, quando a namorada está ausente, seus esforços diminuem; mas, quando retorna, eles aumentam.

Nestes dois exemplos, a motivação para agir é o medo da perda e a esperança do ganho. No entanto, muitas autoridades muçulmanas afirmam que adorar Deus como se O víssemos significa esquecer todo pensamento de perda ou ganho. Basta que Deus seja Real e que o servo seja irreal. Deve-se concentrar-se naquilo que é Real e esquecer o irreal. Em outras palavras, não se deve pensar em si mesmo, mas apenas em Deus. Isso é a perfeição da recordação de Deus (dhikr). Lembrar-se de alguém que está distante é uma coisa, mas lembrar-se de alguém que está presente é outra completamente diferente. Ao viver na presença de Deus, não apenas se recorda Dele constantemente, como também se torna impossível esquecê-Lo.

A definição de ihsan afirma que deves adorar Deus “como se O visses, pois, se não O vês, Ele certamente te vê.” Ele te vê porque está contigo onde quer que estejas. Mas repara que a definição diz: “se não O vês.” E se O vires? Esse é o objetivo da adoração. Então, sem dúvida, tua adoração será apenas por amor a Deus.

Como se pode ver Deus? Essa é uma questão complexa, debatida ao longo da história islâmica. Em resumo, as respostas variam conforme a perspectiva, sendo mais inclinadas ao tanzih ou ao tashbih. Os estudiosos do Kalam, que enfatizam tanzih, rejeitam a possibilidade de ver Deus neste mundo, embora acreditem que Ele possa e será visto no próximo. Em contraste, os sufis, que enfatizam tashbih, afirmam que é possível ver Deus nesta vida—não com os olhos físicos, mas com os olhos do coração. No entanto, a maioria diz que ninguém, nem neste mundo nem no próximo, pode ver Deus como Ele Se vê. Só podemos vê-Lo na medida em que Ele escolhe Se revelar a nós. Se “Ele está contigo onde quer que estejas”, então podes vê-Lo na medida em que Ele está contigo, mas não necessariamente como Ele aparece para outros, para os anjos e, certamente, não como Ele Se percebe.

Pode-se dizer que o objetivo do ihsan é adorar Deus enquanto realmente O vê. A importância desse objetivo se torna clara ao lembrarmos que a visão de Deus é a maior bem-aventurança do paraíso. Nada no mundo vindouro pode se comparar a ver Deus. Da mesma forma, nada neste mundo pode ser comparado à visão de Deus alcançada por meio do verdadeiro ihsan.

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