Nasafi – Do Conhecimento do Ser Humano
GastinesLHP
Um grupo de dervixes, que Deus aumente seu número, pediu à minha humilde pessoa para redigir um tratado sobre a consciência do homem; sobre o aparente e o oculto no homem. Em outras palavras, expor, a partir do exterior, a natureza do homem; a partir do interior, seu espírito e até onde esse espírito pode se elevar. Expor, além disso, quantos espíritos o homem possui e a função de cada um. Respondi ao seu pedido e roguei a Deus Altíssimo que me conceda ajuda e assistência para que Ele me guarde da falha e do erro, pois Ele é poderoso e pronto a atender.
Da Criação da Forma Humana Saiba, bendito sejas nos dois mundos, que, em primeiro lugar, o homem é uma única substância; que cada coisa que no homem vem gradualmente à existência está nessa substância única; que cada uma, em seu tempo, aparece. Essa substância única é a semente. Todos os componentes do homem, substâncias e acidentes, estão na semente, possuindo esta, em si e por si, o que é necessário para a realização do homem. Em outras palavras, a semente é ao mesmo tempo o escritor, a pena, a página, o tinteiro, o escrito e o leitor. Ó Dervixe! A semente do homem é a substância primeira, a essência, o grão do microssomos. O mundo do amor é o microssomos. A semente é apaixonada por si mesma: ela quer contemplar sua própria beleza, ver seus atributos e seus nomes. Para esse fim, ela se epifaniza, assume a qualidade de atual, passa do universal ao singular e aparece sob vários aspectos, formas, sentidos, luzes, até que sua beleza seja revelada, que seus atributos, seus nomes e seus atos sejam manifestados.
Da Evolução da Semente Saiba que quando a semente cai na matriz, ela é sucessivamente semente, coágulo de sangue e feto. Após três meses, formam-se no feto os ossos, as veias e os nervos. No início do quarto mês, que corresponde ao estado solar, a vida começa. Pouco a pouco, durante esse tempo, manifestam-se os sentidos e o movimento voluntário. Cumprido o quarto mês, o corpo e o espírito estão formados, os órgãos e os membros constituídos. O sangue, que estava acumulado na matriz da mãe, vem nutrir a criança pela via do cordão umbilical. Ao fim de oito meses, o corpo, o espírito e os membros estão progressivamente concluídos. No nono mês, que corresponde ao estado jupiteriano, a criança, das entranhas de sua mãe, vem a este mundo. Sei que você não compreendeu bem. Tentarei me expressar mais claramente.
Da Evolução da Semente; Outra Exposição Saiba que quando a gota de semente cai na matriz, ela é primeiro esférica — a gota de água por natureza sendo esférica. Então, a semente, sob o efeito de seu próprio calor e do da matriz, amadurece progressivamente: seus elementos sutis se separam de seus elementos densos. Uma vez concluída a maturação, os elementos densos se dirigem para o centro e os elementos sutis para a periferia, de modo que a semente se desdobra em quatro camadas, cada uma englobando o que está abaixo. Em outras palavras, o que é denso se dirige para o centro e se fixa no meio da semente; o que é sutil se dirige para a periferia e se fixa na superfície superior da semente. O que está abaixo da superfície superior é, em sutileza, menor em relação à superfície superior; o que está acima do centro é, em densidade, menor em relação ao centro. Assim, a semente se encontra disposta em quatro planos. O que está no centro é chamado de “atrabile” ou “melancolia”. A atrabile é fria e seca; tem a natureza da terra; ocupa o lugar da terra. A camada situada acima do centro é chamada de “fleuma”. A fleuma é fria e úmida; tem a natureza da água; ocupa o lugar da água. A camada situada acima da fleuma é chamada de “sangue”. O sangue é quente e úmido; tem a natureza do ar; ocupa o lugar do ar. A camada situada acima do sangue é chamada de “bile”. A bile é quente e seca; tem a natureza do fogo; ocupa o lugar do fogo. Essa substância única nomeada “semente” é, portanto, transformada em quatro elementos e quatro humores; isso no espaço de um mês.
Do Nascimento Concluído esse trabalho, desses quatro elementos e humores surgem sucessivamente os três reinos: o mineral, o vegetal e o animal. Em outras palavras, o Provedor distribui esses quatro elementos e humores e faz aparecer todos os membros do homem, interiores e exteriores. Esses membros pertencem ao mineral. Ele envia a cada membro uma quantidade determinada de atrabile, de fleuma, de sangue e de bile — a alguns em quantidade igual de cada um dos quatro, a outros em quantidade diferente segundo Sua sabedoria — até a aparição de todos. Então, Ele liga os membros uns aos outros pelos canais da nutrição, da vida, dos sentidos e do movimento voluntário. A fase mineral está então concluída. Tudo isso se efetua no espaço de outro mês.
Do Espírito Vegetal Uma vez manifestados os membros e concluída a fase mineral, aparecem em cada um dos membros interiores e exteriores forças particulares: forças de atração, de retenção, de digestão, de repulsão, de transformação, de nutrição, de crescimento. Essas forças são chamadas de “Anjos”. Quando os membros, os órgãos e as faculdades estão completos, a criança começa a reclamar alimento. Ela drena para si, pela via do cordão umbilical, o sangue acumulado na matriz da mãe. Quando o sangue penetra no estômago da criança, ele é novamente digerido e levado à maturação. O produto dessa elaboração é o quilo. O fígado, pelo mesentério, drena para si esse quilo. Quando o quilo penetra no fígado, ele é novamente digerido e levado à maturação. O substrato e a quintessência dessa elaboração, o quimo, torna-se o espírito vegetal. O que resta se torna bile, sangue, fleuma e atrabile. A bile é drenada pela vesícula; a atrabile pelo baço; a fleuma, por várias razões, é distribuída pelo espírito vegetal por todo o corpo; quanto ao sangue, o espírito vegetal o devolve, tão logo recebido como alimento, ao conjunto dos órgãos. O distribuidor de alimento por todo o corpo é o espírito vegetal. A sede do espírito vegetal é o fígado. O fígado está situado do lado direito. O crescimento ocorre assim que o alimento atinge todos os membros. Essa é a essência do vegetal. Tudo isso se efetua no espaço de outro mês.
Do Espírito Vital Uma vez iniciado o crescimento e concluída a fase vegetal, o espírito vegetal se fortalece; o estômago e o fígado se fortificam e tornam-se aptos a digerir o alimento. Então o substrato e a quintessência do espírito vegetal são atraídos pelo coração. Uma vez no coração, são novamente assimilados e levados à maturação e tornam-se inteiramente vida. O substrato e a quintessência dessa elaboração tornam-se o espírito vital. O que resta é enviado pelo espírito vital, por meio das artérias, a todos os membros para animá-los. O distribuidor de vida por todo o corpo é o espírito vital. A sede do espírito vital é o coração. O coração está situado do lado esquerdo. Quando o espírito vital se fortalece, tudo o que dele era substrato e quintessência é atraído pelo cérebro. Uma vez no cérebro, é novamente assimilado e levado à maturação. O substrato, a quintessência, dessa elaboração torna-se o espírito psíquico. O que resta é enviado pelo espírito psíquico, por meio dos nervos, a todos os membros até que os sentidos e o movimento voluntário se manifestem neles. Essa é a essência do animal. Tudo isso se efetua no decorrer de outro mês. Os elementos e os humores, o mineral, o vegetal e o animal se completam em quatro meses, cada um no espaço de um mês. Não há nada além do animal. Este é o termo.
A morada última é realmente a vida. Se soubessem! Alcorão XXI/64
Dos Dez Sentidos: Os Cinco Internos e Os Cinco Externos Saiba que o espírito psíquico, que está alojado no cérebro, é perceptivo e motor. Sua percepção é de duas sortes: externa e interna. Por sua vez, a percepção externa é de cinco sortes; o mesmo ocorre com a percepção interna. Há, portanto, cinco sentidos externos: a audição, a visão, o olfato, o paladar, o tato; e cinco sentidos internos: o sensus communis ou senso comum, a imaginação (khiyâl), a phantasia ou “fantasia” (wahm), a memória e a imaginação criativa (motasarrifa). A imaginação é a tesoureira do sensório; a memória, a da fantasia. O sensório apreende as formas das coisas sensíveis; a fantasia, seu sentido. Em outras palavras, o senso comum apreende tanto o visível quanto o invisível: tudo o que os sentidos externos percebem é percebido por ele, reunido nele — daí sua denominação. A faculdade estimativa (wahm) percebe o sentido da amizade no amigo; o da inimizade no inimigo. A imaginação ativa dispõe das imagens armazenadas na imaginação: ela as sintetiza e as analisa.
Da Faculdade Motora Saiba que a faculdade motora também é de duas sortes: causal e agente. A faculdade causal é aquela que, quando uma forma atrativa ou repulsiva aparece na imaginação, convida e incita a faculdade agente ao movimento. A faculdade agente é aquela que faz os membros se moverem. Ela é submissa e obediente à faculdade causal. A faculdade causal, instigadora e estimuladora da agente, age segundo dois fins: atrair o lucro e colher o prazer — então é chamada de “apetite concupiscível”; repelir o dano e prevalecer — então é chamada de “apetite irascível”.
Do Espírito Humano Tendo aprendido pelo que foi dito até agora que o homem possui em comum com os outros animais o espírito vegetal, o espírito vital e o espírito psíquico, saiba agora que é pelo espírito humano que ele se distingue. O espírito humano não pertence a essa tríade: ele pertence ao mundo superior, enquanto aqueles pertencem ao mundo inferior. Divergências surgiram a seu respeito: o espírito humano está dentro do corpo ou não está. Os doutores da Lei dizem que está dentro do corpo, misturado a ele como o creme ao leite. Os filósofos dizem que não está nem dentro do corpo nem fora, porque a alma pensante não é localizada — não necessita de lugar. Além disso, interior e exterior são qualidades corporais; ora, a alma pensante é incorpórea. Por outro lado, todos concordam em dizer que o espírito vegetal, o espírito vital e o espírito psíquico estão dentro do corpo; que são o substrato e a quintessência dos alimentos. É o alimento que, pela intervenção dos pneumata, ascende, se transforma gradualmente e se torna conhecedor, vidente. Ó Dervixe! Se se diz que é o alimento que ascende, por degraus se eleva e se torna conhecedor, vidente e ouvinte, está certo. Se se diz que é a luz que acompanha o alimento que ascende e se torna conhecedora, vidente e ouvinte, também está certo. Sei que você não compreendeu bem. Tentarei me expressar mais claramente, pois a compreensão dessas palavras é extremamente importante. Todas as asceses e disciplinas dos hindus repousam sobre ela.
Da Viagem Interior dos Hindus Saiba que a terra, a água, o ar, o fogo, os animais, os vegetais, os astros, as estrelas, ou seja, toda a criação, estão cheios de luz. O universo está transbordando de luz e é essa luz que é a alma do mundo.
“O mundo é perfumado pela brisa da manhã;
Ainda é preciso que o homem consiga captar o aroma.” “Vá, adquira a visão! Pois cada grão de poeira,
Se você olhar, é a Taça-que-reflete-o-universo.” Ó Dervixe! O mundo é ao mesmo tempo luz e trevas; oceano de luz e oceano de trevas — os dois oceanos estando um no outro intimamente misturados. Para que apareçam os atributos da luz, é preciso separar a luz das trevas. Nos animais, artesãos, incessantemente, dedicam-se a essa tarefa. Eles primeiro colocam o alimento na boca. Esta cumpre seu trabalho e transmite o alimento ao estômago. O alimento passa assim do estômago ao fígado; do fígado ao coração; do coração ao cérebro. Então — cumprido o trabalho do cérebro, efetuada a ascensão, a luz separada das trevas e os atributos da luz manifestados — o animal se torna conhecedor, ouvinte, vidente. Isso é alquimia; os animais estão em constante alquimia. O homem leva essa alquimia ao extremo: ele pratica a alquimia dessa alquimia. Ele se apodera da alma de tudo o que come; ele extrai o substrato e a quintessência. Em outras palavras, ele separa a luz das trevas, de modo que a luz conheça e veja sua própria realidade. Isso é obra do Homem Perfeito, e somente dele. Ó Dervixe! A luz, no entanto, não pode ser inteiramente separada das trevas, pois a luz, sem as trevas, não existiria e vice-versa. A luz é, em certo sentido, garante das trevas; e as trevas são garantes da luz. Luz e trevas andam juntas, andam, andaram e andarão juntas. Mas a luz, em primeiro lugar, está unida às trevas como o creme ao leite; por isso seus atributos não são aparentes. Para que se tornem, é preciso que a luz esteja com as trevas como a lâmpada na fresta. É quando a luz, elevando-se por etapas, enquanto os artesãos cumprem cada um sua tarefa, chega ao cérebro, que ela se torna como a lâmpada na fresta. Essa lâmpada é a essência do homem. E é essa lâmpada que, depois de atingir o cérebro, ascende ainda mais. Até o cérebro a ascensão é conforme a forma e o sentido. A partir do cérebro, a ascensão é apenas conforme o sentido. Em outras palavras, a ascensão da lâmpada é o que torna a luz mais transparente e seus atributos mais manifestos. Ó Dervixe! Essa lâmpada, todos os homens a possuem; mas a de alguns é fraca e intermitente. É preciso tornar a lâmpada forte e pura para que se manifeste a ciência primeira e última oculta em sua essência. Sua força depende de duas coisas: comer uma vez ao dia; e, nessa única vez, alimentos saudáveis, aptos a proporcionar um sangue abundante e leve. Sua pureza depende de quatro coisas: o retiro místico, pouco falar, pouco comer e pouco dormir. Ó Dervixe! Este capítulo, do começo ao fim, trata da peregrinação entre os hindus. Cedemos à prolixidade e nos afastamos do objetivo. Nossa intenção era a exposição dos pneumata; aqui estamos — as palavras proferidas neste capítulo sendo apenas uma amostra indigna de sua paciência.
Do Que é o Espírito Saiba que o espírito vegetal é uma substância complementar e motora do corpo por natureza; que o espírito vital é uma substância complementar e motora do corpo por vontade; que o espírito humano é uma substância simples, complementar e motora do corpo por vontade e inteligência. Em outras palavras, o espírito vital percebe o específico; o espírito humano, o específico e o genérico. O espírito vital apreende o útil e o prejudicial; o espírito humano, o útil e o prejudicial, assim como o mais útil e o mais prejudicial. Ó Dervixe! O espírito humano é vivo, conhecedor, querente, podendo, ouvinte, vidente, falante. Não que de um lado ele veja, de outro ele ouça, de um terceiro ele fale, como um molde que seria dividido em seções e sujeito à partilha. O espírito humano é indivisível. No momento de conhecer, ele é inteiramente conhecedor; no momento de ver, ele é inteiramente vidente; no momento de ouvir, ele é inteiramente ouvinte; no momento de falar, ele é inteiramente falante. Saiba que é assim com todos os seus atributos. O mesmo ocorre com os corpos simples.
Da Progressão do Espírito Humano Os doutores da Lei dizem que o homem, quando reconhece e segue um profeta, chega à estação da fé; ele é então chamado de “crente”. Quando, além disso, ele realiza muitas devoções, passa a maior parte das horas do dia e da noite em oração, ele chega à estação da devoção; ele é então chamado de “devoto” e se torna realizado. Quando, além disso, ele se desvia completamente do mundo, renuncia a toda posição e status, liberta-se dos prazeres e apetites do corpo, ele chega à estação da ascese; ele é então chamado de “asceta”. Quando, além disso, ele conhece e vê a realidade das coisas e a sabedoria dessa realidade, de modo que nada — nos três universos, o Molk, o Malakūt e o Jabarūt — lhe permanece oculto, que ele conhece a si mesmo, assim como seu Nutridor, ele chega à estação da gnose; ele é então chamado de “gnóstico”. Esta etapa é suprema; é limítrofe da Amizade Divina (walayat); poucos peregrinos a alcançam. Quando, além disso, o Altíssimo o distingue por Seu amor e Sua inspiração, ele chega à estação da Amizade; ele é então chamado de “Amigo de Deus”. Quando, além disso, o Altíssimo o distingue por Sua revelação e Seu milagre e o envia, portador de uma mensagem, aos homens para chamá-los a Deus, ele chega à estação da profecia (nobowwat); ele é então chamado de “profeta”. Quando, além disso, o Altíssimo o distingue por Seu livro, ele chega à estação da mensagem profética (risâlat); ele é então chamado de “enviado”. Quando, além disso, ele substitui a lei religiosa estabelecida por outra, ele chega à estação dos profetas-legisladores (ulūl’azm); ele é então chamado de “profeta-legislador”. Quando, finalmente, o Altíssimo o faz selo da profecia, ele chega à estação do Selo; ele é então chamado de “Selo dos profetas”. Tal é, segundo os doutores da Lei, a progressão do espírito humano. Ó Dervixe! O espírito do crente progride um grau; o do Selo dos profetas, nove graus. Saiba agora que os doutores da Lei dizem que o progresso do espírito humano não ultrapassa esses nove graus; estes são percorridos pelos homens de piedade e de ciência. A cada nível que é mais elevado e mais distante corresponde uma ciência e uma piedade maiores, de modo que a ciência e a piedade de ninguém jamais atingirão as do Selo dos profetas. Aquele que vem por último é mais elevado; o lugar ao qual ele retorna, após a separação do corpo, é mais alto e mais nobre. Por isso, nenhuma posição é igual à do Selo dos profetas; nessa posição há um trono particular. Para os doutores da Lei, esses nove graus são um dom. A cada homem é um lugar predeterminado que ele não pode ultrapassar nem pelo trabalho assíduo nem pelo esforço porque, segundo eles, o espírito é criado antes do corpo; que a cada espírito é um lugar atribuído. Os filósofos também dizem que o espírito humano não ultrapassa esses nove graus; que estes são percorridos pelos homens de ciência e de pureza. Quanto mais elevado o grau, maiores a ciência e a pureza e mais elevado e nobre o lugar ao qual o espírito retorna, após a separação do corpo. Mas os filósofos acrescentam que cada um desses nove graus é adquirido, que a ninguém é dado um lugar predeterminado. O lugar de cada um é a retribuição de sua ciência e de sua prática. Aquele que adquire mais ciência e pureza atinge um grau mais elevado e o lugar ao qual ele retorna, após a separação do corpo, é mais alto e mais nobre, porque, segundo eles, o espírito não é criado antes, mas com o corpo. Portanto, a ninguém é dado um lugar predeterminado; cada um aqui embaixo adquire o seu próprio. Os filósofos dizem ainda que não há selo para nada; que se para toda coisa houvesse um selo, também haveria um começo. Em outras palavras, ao término do ciclo da Lua, toda coisa atinge sua perfeição e, por isso, torna-se seu próprio selo. Então, novamente no início do ciclo seguinte, para toda coisa há um começo; e essa coisa, por grau, atinge sua perfeição. As testemunhas da Unicidade dizem que não há limite para o progresso do espírito humano. Se um homem dotado vivesse mil anos e se dedicasse, durante esses mil anos, ao estudo, ao exercício, ao esforço e à rememoração, ele recolheria a cada dia, em matéria de sabedoria, algo que até então lhe era desconhecido — sendo a ciência e a sabedoria de Deus ilimitadas. As testemunhas da Unicidade acrescentam que nenhuma posição é mais nobre do que a do ser humano; que é a essa posição que o espírito retorna após a separação do corpo. Todos os seres viajam em direção ao homem. Uma vez tornados homem, sua perfeição é atingida, sua ascensão concluída. O homem também viaja: ele se encaminha para sua própria perfeição. Alcançada essa perfeição, sua ascensão está efetuada: o fruto da árvore da criação está maduro. Para as testemunhas da Unicidade, a perfeição do homem não existe: o homem, seja qual for a posição que ele alcance, é sempre imperfeito, tanto em relação à sua aptidão quanto em relação à ciência e à sabedoria de Deus. Portanto, o homem dito “Perfeito” é perfeito apenas relativamente. Para os doutores da Lei e os filósofos, a perfeição existe. Essa perfeição do homem reside em quatro coisas: as boas palavras, os bons atos, as boas disposições naturais e os conhecimentos. O objeto dos conhecimentos é o conhecimento de quatro coisas: do mundo, do outro mundo, de si mesmo, de seu Criador.
De Que Um Mesmo Homem Possui Vários Espíritos Saiba que os doutores da Lei e os filósofos dizem que alguns homens possuem três pneumata; esses são os “imperfeitos”. Que outros possuem quatro; esses são os “intermediários”. Que outros possuem cinco; esses são os “perfeitos”. Esses cinco pneumata são diferentes uns dos outros. O corpo é comparável à fresta para as luzes. O espírito vegetal, que está situado no fígado, é comparável ao vidro da lâmpada. O espírito vital, que está situado no coração, é comparável ao pavio. O espírito psíquico, que está situado no cérebro, é comparável ao óleo. Esse óleo, por extrema sutileza e pureza, quer, antes que o fogo o inflame, conhecer e ver a realidade das coisas e a sabedoria dessa realidade:
Ela quase brilha, mesmo sem o fogo a tocar. Alcorão XXIV/35
Esse óleo se torna luz. Quando o fogo — o espírito humano — se une ao óleo, é “luz sobre luz”. E quando a luz divina se une ao espírito humano, é “luz sobre luz sobre luz”.
Deus guia à Sua luz quem Ele quer. Alcorão XXIV/35
Ó Dervixe! Saiba que, em minha humilde opinião, o homem, seja ele perfeito ou imperfeito, tem apenas um único espírito. Mas esse espírito único tem graus e, em cada grau, um nome. Por causa desses muitos graus, alguns imaginam que há vários espíritos. Não é assim. Há apenas um corpo e um espírito. Ó Dervixe! O corpo e o espírito estão ambos em progresso e em ascensão. Se alguma praga não os atingir, eles se elevam por degraus até sua plenitude. Chegando lá, eles se voltam para seu declínio. Mas voltemos ao nosso propósito. Dizemos, portanto, que há apenas um corpo e um espírito. Essas palavras só serão claras para você quando você souber qual é a origem do corpo e de onde ele vem; qual é a origem do espírito e de onde ele vem.
Da Manifestação do Corpo e do Espírito; Da Constituição (mizâj) Saiba que a terra, a água, o ar e o fogo são as “Mães”; que cada uma tem uma forma e um sentido. A forma de cada uma é treva; o sentido de cada uma é luz. A forma é chamada de “elemento”; o sentido, “natureza”. Há, portanto, quatro elementos e quatro naturezas. Quando uns se misturam aos outros, como é sua lei, necessariamente resulta uma coisa à semelhança dos componentes; esta é a constituição. Postas essas premissas, saiba agora que quando as Mães se entrelaçam, a forma e o sentido de cada uma das quatro necessariamente se misturam. Da forma aparece uma coisa à semelhança dos componentes; esta é chamada de “corpo”. Do sentido aparece uma coisa à semelhança dos componentes; esta é chamada de “espírito”. Portanto, a constituição é ao mesmo tempo corpo e espírito. Enquanto as Mães são individualizadas, são chamadas de “elementos” e “naturezas”. Quando se misturam umas às outras e a constituição aparece, são chamadas de “corpo” e “espírito”. Saiba agora que é esse corpo que, por grau, se eleva e a cada grau toma um nome: corpo mineral, corpo vegetal, corpo animal. Que é esse espírito que, por grau, se eleva e a cada grau toma um nome: espírito mineral, espírito vegetal, espírito vital. O homem é uma espécie entre as espécies animais. O espírito do homem, segundo seus epítetos e seus qualificativos, é mencionado por nomes diferentes: cada vez que se torna mais sábio, toma outro nome. Essa é a essência da constituição: realidade corporal e realidade espiritual. O corpo pertence ao mundo sensível; o espírito ao mundo inteligível. O corpo pertence ao mundo da criação; o espírito ao mundo do Imperativo divino. Uma vez posto que há apenas um único espírito, daremos a definição de que o espírito é uma substância que é complementar e motora do corpo por natureza no plano vegetal; por vontade no plano animal; por vontade e inteligência no plano humano.
Exortação Ó Dervixe! Não te apegues ao mundo e às suas riquezas; não confies na vida, na saúde, nos bens, na posição. Pois, tudo o que está no mundo sublunar e acima do qual os astros estão em circunvolução é apenas uma mudança contínua. O mundo é inconstante; ele gira incessantemente. A cada instante ele toma uma forma nova, oferece outra imagem. A forma primeira ainda não está completa, ainda não está fixada, quando outra surge vindo apagá-la. O assunto do mundo é como a onda no mar — que digo! é a própria onda. O sábio, sobre as ondas, quando construiria sua morada? Ó Dervixe! Escolha a pobreza. Os mais sábios entre os homens são aqueles que, por sua própria vontade, escolheram essa condição. Conscientemente, eles elegeram a infortúnio: sabem que sob cada desejo estão escondidos dez, ou melhor, cem desapontamentos. O sábio, por um prazer, quando sofreria cem desapontamentos? Ó Dervixe! Saiba com certeza que somos viajantes; de um instante para o outro partiremos; que o estado de cada um de nós também é passageiro; de um instante para o outro, ele mudará. Felicidade e infortúnio vêm e passam. Portanto, se você possui fortuna, não confie nela; o que será dela em um instante? Se você está no infortúnio, não se aflija; o que será dele em um instante? A isso antes se apegue: nunca seja causa de mal a outrem. Tanto quanto puder, espalhe a tranquilidade. Glória a Deus, o Senhor dos dois mundos.
