Nasafi – Do Paraíso e do Inferno
GastinesLHP Um grupo de dervixes — que Deus aumente seu número — pediu a esta humilde pessoa que escrevesse um tratado sobre o Paraíso e o Inferno. Que expusesse qual é a realidade do Paraíso e a do Inferno; a realidade da felicidade e a da desgraça; quantos paraísos e infernos existem; qual era o Paraíso de Adão e Eva; a árvore pela qual, ao se aproximarem dela, foram expulsos do Paraíso. Atendi ao seu pedido e roguei a Deus, o Altíssimo, que me concedesse ajuda e assistência, para que Ele me guarde do erro e do engano, pois Ele é poderoso e pronto a atender. Antigamente, houve Adão e Eva; sua história é conhecida. Atualmente, há em nós um Adão e uma Eva. Amanhã, haverá um Paraíso e um Inferno; sua história também é conhecida. Atualmente, há em nós um Paraíso e um Inferno. Primeiro, elucidaremos neste tratado o que está em nós; depois, em outro, o que está fora de nós. Meu sucesso só depende de Deus. A Ele me entrego; a Ele me confio. Do Paraíso e do Inferno presentes; Do Adão e da Eva presentes Sabe, que sejas abençoado nos dois mundos, que a realidade do Paraíso é a harmonia; a realidade do Inferno, a discórdia. Que a realidade da felicidade é encontrar o objeto da busca; a realidade da desgraça, não encontrá-lo. Seja como for que se expresse, esse é o significado do Paraíso e do Inferno. Saiba ainda que o Paraíso e o Inferno têm muitas portas. As boas disposições, as palavras e os atos louváveis são as portas do Paraíso. As más disposições, as palavras e os atos repreensíveis, as portas do Inferno. A dor e a desgraça no homem provêm das más disposições, dos atos e palavras repreensíveis; a serenidade e a felicidade, das boas disposições, dos atos e palavras louváveis. Das portas do Inferno; das portas do Paraíso Segundo alguns, o Inferno tem sete portas e o Paraíso, oito. Isso ocorre porque as faculdades do homem — os cinco sentidos, a imaginação, a “fantasia” e a inteligência — são em número de oito. O homem percebe e compreende pelas cinco portas dos sentidos. Sempre que a inteligência falta, e as outras sete faculdades agem por ordem da natureza e não da inteligência, essas sete faculdades se tornam as portas do Inferno. E quando a inteligência intervém, comandando as outras sete faculdades, e estas agem por sua ordem, todas as oito se tornam as portas do Paraíso. Os homens devem primeiro atravessar o Inferno antes de chegar ao Paraíso. Alguns permanecem no Inferno e não conseguem sair. Outros o atravessam e chegam ao Paraíso: “Não há nenhum de vós que não entrará nele: é um decreto decidido por teu Senhor. Depois, salvaremos os que temem a Deus e deixaremos neles os injustos de joelhos.” (Alcorão XIX:71-72) Ó Dervixe! A maioria dos homens permanece no Inferno e não consegue sair: “Destinamos ao Inferno muitos gênios e humanos. Eles têm corações com os quais não compreendem; têm olhos com os quais não veem; têm ouvidos com os quais não ouvem. São como gado, ou ainda mais desviados. Esses são os negligentes.” (Alcorão VII:179) Ó Dervixe! Eis o que foi dito antes de nós sobre o significado do Paraíso e do Inferno. Dos graus do Inferno e do Paraíso Há vários infernos e vários paraísos. O caminho do peregrino os atravessa todos. O inferno e o paraíso dos tolos são de um tipo; o inferno e o paraíso dos dotados de inteligência, de outro; o inferno e o paraíso dos amantes, de outro ainda. O inferno dos ignorantes é a discórdia, e o paraíso, a harmonia. O inferno dos sábios é a necessidade, e o paraíso, o desapego. O inferno dos amantes é o véu, e o paraíso, o desvelamento. Ó Dervixe! O amor é um fogo que incendeia o coração do peregrino; que, de imediato, aniquila as causas externas e internas de seus desejos — todos os ídolos de seu ego, todas as barreiras em seu caminho — de modo que o peregrino não tenha mais qibla nem ídolos; que se torne puro, límpido e simples. Deus é puro; Ele ama o puro. Ó Dervixe! O amor é o cajado de Moisés, e o mundo, um mago entregue à feitiçaria o dia todo. O mundo constantemente elabora fantasmas, e os homens, por essas fantasmagorias, são enganados. O amor abre a boca: de um só golpe, engole o mundo e tudo o que nele há — torna o peregrino puro, límpido e simples. Então, o nome de “puro” (safi) convém ao peregrino. Uma vez safi, ele se torna sufi. Ó Dervixe! O peregrino precisa atravessar muitas etapas antes de alcançar o grau do sufismo — de receber o nome de Sufi. O sufi precisa atravessar muitas etapas antes de alcançar o grau da gnose — de receber o nome de Gnóstico. O gnóstico precisa atravessar muitas etapas antes de alcançar o grau da Amizade divina — de receber o nome de Amigo. O sufismo é um alto grau. Raros são os peregrinos que o alcançam. Esse grau é limítrofe ao da Amizade divina. Ó Dervixe! A inteligência, enquanto não alcança a estação do amor, é o cajado do peregrino. Ela o sustenta e o serve nos assuntos do mundo: “É meu cajado, no qual me apoio, com o qual abato folhagem para minhas ovelhas e me serve para outros usos.” (Alcorão XX:18), disse Moisés. Mas esse cajado, enquanto o amor não vem animá-lo, não tem alma. A inteligência sem amor é coisa morta. Ó Dervixe! A exortação: “Rejeita a inteligência!” que vem ao peregrino significa: “A inteligência está voltada para o mundo; é temível que ela te mate. Desvia-a de ti para que se volte para Nós.” Porém, só o amor pode rejeitar a inteligência. O peregrino, no início de sua jornada, é desprovido de amor. Só quando alcança essa estação é capaz de rejeitar a inteligência. Ao fazê-lo, vê uma serpente terrível e teme por sua vida. Ó Dervixe! As coisas são conhecidas por seus opostos. Enquanto a Luz divina não se manifesta, as trevas do mundo não podem ser medidas. Quem cobiça o mundo, prisioneiro de seus prazeres e apetites, está morrendo. O versículo: “Lançou-o, e eis que era uma serpente que rastejava. Deus disse: 'Pega-a! Não temas! Nós a faremos voltar ao seu estado original.'” (Alcorão XX:20-21) significa: Já que viste a inteligência sob a forma de serpente, pega essa serpente e não temas; nós a faremos voltar a ser cajado. Até então, a inteligência estava entregue aos assuntos do mundo. Agora, está voltada para o Amado. Este mundo, antes entregue à feitiçaria, que te impedia de peregrinar para Deus e só cuidava de seu próprio serviço — agora é teu servo; no caminho para Deus, eis teu auxiliar e sustento. “Cremos no Senhor dos mundos” (Alcorão VII:121), disseram os magos. Ó Dervixe! Esse tesouro que foi proposto a todos os seres e que todos recusaram, exceto o homem, é o amor. Se o homem soubesse o amor, coisa tão perigosa e temível, jamais se encarregaria dele: “Mas ele é injusto e ignorante.” (Alcorão XXXIII:72)
