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Considerações sobre o espírito em Telesio (D.P.Walker)

Walker1988

Donio, Persio, Bacon e Campanella (trataremos deste último separadamente no próximo capítulo) são todos, em certa medida, discípulos de Telesio, cuja influência sobre sua filosofia é evidente e, exceto no caso de Donio, abertamente reconhecida por eles. A filosofia de Telesio, embora enraizada na Antiguidade, propunha, em minha opinião, um sistema novo em relação ao pensamento tradicional da Idade Média ou do Renascimento. Embora afirme estar fundamentada na experiência sensorial, trata-se de uma construção a priori de uma simplicidade e rigidez surpreendentes: todo evento, tanto mental quanto material, é explicado como um conflito entre dois princípios, o quente e o frio, ambos dotados de sensibilidade e de um desejo de autoconservação. Ao expor essa filosofia, que é uma tentativa de superar o dualismo da maioria dos sistemas anteriores — de afastar a transcendência do espírito (mind) sobre a matéria —, Telesio se vê inevitavelmente confrontado com dificuldades terminológicas quase insuperáveis; de fato, a maioria das expressões tradicionais implicava o dualismo que ele tentava evitar.

Mas havia um conjunto de termos, o espírito (spirit) e seus derivados, usados há muito para preencher a lacuna entre corpo e alma, e esses termos desempenham um papel importante em seu sistema. Em seus usos tradicionais como “paliativos”, eles se contradizem de maneira flagrante e imediata: o espírito (spirit) é uma matéria tão tênue que se tornou alma, é sensível, ou a alma tão espessa que se tornou matéria, se estendeu. Isso implica que há apenas uma diferença de grau entre o espírito (mind) e a matéria, caso em que a noção de espírito (spirit) é supérflua, pois sua função era conectar duas categorias que diferem absolutamente em qualidade. Para Telesio, essa dificuldade não surge, já que tudo é sensível e extenso. Ele não usa o espírito (spirit) como um conceito vinculante, mas para explicar sistemas de atividade centralizados, particularmente animais e homens. Cada parte individual do homem é capaz de sentir, pensar, reagir, como qualquer outra matéria; mas o homem, evidentemente, realiza essas funções como um todo organizado. Para explicar isso, Telesio recorre aos espíritos médicos, tradicionalmente quentes e rarefeitos e, portanto, segundo seus próprios princípios, especialmente sensíveis e ativos. Por meio desses espíritos, Telesio explica a unidade orgânica da maioria das funções e atividades humanas, tanto corporais quanto mentais.

É claro que, na filosofia de Telesio, não há lugar lógico para uma alma ou espírito (mind) imaterial ou transcendental — ela parece, de fato, especialmente concebida para evitá-lo. No entanto, ele introduz um; não apenas, creio, para permanecer dentro dos limites da ortodoxia cristã, mas porque percebe que seu sistema monista não inclui todas as atividades do homem. Os dois princípios, o quente e o frio, e seu espírito, o tipo de matéria mais eficazmente quente, tendem sempre e apenas para sua autoconservação; os conjuntos, homens e animais, construídos a partir desses princípios, devem fazer isso e nada mais. Assim, segundo esse sistema, todas as atividades, pensamentos e desejos do homem deveriam ser puramente utilitários. Em um capítulo de notável eloquência, especialmente considerando a qualidade deplorável de seu estilo, Telesio observa que, na verdade, o homem persiste em desejar e buscar coisas que não conduzem nem à sua conservação nem ao seu prazer, que sempre, com “angústia” e sem descanso, ele busca o que está distante, um saber inútil, Deus, a eternidade.

As funções da alma imaterial, dom de Deus, limitam-se na filosofia de Telesio à contemplação e aos sentimentos não utilitários; o espírito (spirit) se encarrega por si mesmo de todos os sentimentos, percepções e raciocínios voltados para a prática. A relação entre a alma e o espírito é a de uma força transcendente, supra-terrena, arrancando um animal de seu comportamento natural e normal.

É evidente que a situação do conceito de alma nesse sistema é incerta; conceda um pouco mais ao espírito, permita que seu raciocínio e seu sentimento se tornem mais que utilitários, e ele absorverá a alma, tornando-a desnecessária. O papel do espírito na filosofia de Telesio é importante para nós, porque seus discípulos, mesmo que suas filosofias divergissem amplamente da dele em alguns aspectos, mantiveram o espírito como noção central em sua fisiologia e psicologia, e porque a magia natural de Ficino também está centrada no espírito como meio de transmissão que liga as estrelas, a música, os talismãs, os hinos e o homem sem a intervenção de anjos ou demônios. Os telesianos incluem, de fato, em suas fileiras, dois magos indiscutivelmente ficinianos, Persio e Campanella, assim como um filósofo, Francis Bacon, cujas opiniões sobre magia têm relação com Ficino.

A relação do espírito com a alma é particularmente crucial nessa tradição mágica. Se o espírito absorve a alma, se os dois se confundem, então toda magia espiritual só pode ser demoníaca ou absolutamente equivalente à religião comum. Esse perigo já estava presente em Ficino — seu canto órfico possui, de fato, um conteúdo intelectual, seu espírito humano e seu espírito cósmico (spirit) são verdadeiramente etapas no caminho que leva ao espírito (mind) do homem e à anima mundi. É apenas insistindo constantemente nessas etapas mais do que em seu objetivo final que ele impede até mesmo sua magia espiritual de se tornar, evidentemente, uma religião e, portanto, desesperadamente não ortodoxa.

Mesmo para os telesianos como Bacon e Campanella, que mantinham uma alma incorpórea, era muito mais difícil alcançar uma magia não demoníaca, pois seu espírito não era simplesmente, como para Ficino ou qualquer teórico médico, um instrumento que a alma usava para sentir e pensar; o espírito (spirit) por si mesmo sentia e pensava, e só diferia da alma pela inferioridade do objeto de seus pensamentos e sentimentos. Para aqueles que, como Donio e talvez Persio, efetivamente assimilavam a alma ao espírito, a magia inevitavelmente se tornava religião, ou a religião, magia.

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