Margareth Smith (MSRMI) – Misticismo no Islã
MSRMI
O MISTICISMO é encontrado como um elemento vital em muitas religiões, especialmente nas antigas religiões do Oriente, na literatura védica, no budismo da Índia e da China, no judaísmo, na Grécia, no cristianismo e também no islamismo, onde se estabeleceu desde cedo e se fez presente em todos os países islâmicos, especialmente no Egito, Pérsia, Turquia e Índia.
Esse misticismo surgiu como uma revolta da alma, naqueles que eram verdadeiramente espiritualmente inclinados, contra o formalismo na religião e também contra a indiferença religiosa. Além disso, foi influenciado pela sensação de que é possível estabelecer uma relação direta com Deus, que não deve ser visto como um Governante distante e Todo-Poderoso dos destinos da humanidade, mas como um Amigo e o Amado da alma. Os místicos desejaram conhecer Deus para amá-Lo e acreditaram que a alma pode receber uma revelação dEle por meio de uma experiência religiosa direta — não através dos sentidos ou do intelecto — e, assim, entrar em comunhão com Ele.
Eles afirmam que, se o homem pode ter essa experiência, deve haver nele uma parcela da Natureza Divina, que a alma foi feita para refletir o Esplendor de Deus e que todas as coisas participam da vida Divina. Mas os místicos ensinam que nenhuma alma pode ter essa experiência direta de Deus sem a purificação do ego; a limpeza da alma do amor-próprio e da sensualidade é essencial para aqueles que desejam alcançar a Sabedoria Divina e a Visão de Deus, pois a perfeição da Vida Eterna, que eles acreditam poder ser alcançada aqui e agora, é ver Deus em Sua Essência. O ego só pode ser conquistado por um amor maior que o amor-próprio, e por isso os místicos foram os amantes de Deus, buscando a consumação de seu amor na União com o Amado.
No entanto, o misticismo não é teórico, mas prático, ensinando um Caminho de Vida a ser seguido por todos que desejam alcançar o objetivo, e esse caminho segue o mesmo padrão, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Primeiro, deve haver a conversão do místico e a disciplina para se livrar dos desejos do ego, o que trará a vida externa à forma adequada para o buscador de Deus. Depois, vem a disciplina da vida interior, harmonizando pensamentos, sentimentos e vontade com a Vontade eterna de Deus e tornando o místico capaz de receber a iluminação Divina. A alma agora pode alcançar a vida em Deus, esse estado unitivo em que a alma participa, aqui e agora, da vida eterna.
No islamismo, há uma tendência inicial ao ascetismo e à autodisciplina. O jejum do Ramadã, as cinco orações diárias, a peregrinação com suas restrições, a proibição do vinho — tudo isso visava conter os desejos do ego e direcionar a mente para as necessidades espirituais da alma. Esse movimento ascético associou-se a tendências místicas, que já existiam no judaísmo, no cristianismo e nas religiões da Índia. Os sufis — nome derivado das vestes de lã branca (ṣūf) usadas pelos primeiros ascetas — eram aqueles que se dedicavam à vida de renúncia, vivendo na pobreza e dedicando seu tempo à oração e à meditação, chamando-se “amigos de Deus” (awliyā’ Allāh), sobre os quais uma tradição diz:
“Em verdade, os amigos de Deus não temem nada e não se entristecem por nada. Pois contemplam a realidade interior deste mundo, enquanto os outros homens veem apenas sua aparência exterior. Também olham para o fim deste mundo, enquanto os outros se apegam ao presente imediato. Destroem nele o que temem que os destrua e abandonam o que sabem que os abandonará. São hostis às coisas com as quais outros homens fazem paz e bendizem as coisas que outros homens odeiam. Mostram a maior admiração pelas boas ações dos outros, enquanto eles próprios possuem bens dignos da maior admiração. Para eles, o conhecimento é orientação, por meio do qual eles mesmos adquirem sabedoria. Não depositam fé senão naquilo que esperam, nem temem nada exceto o que deve ser evitado.”
Esse misticismo ortodoxo, entre os árabes, recebeu sua primeira consideração definida nas mãos de Ḥārith ibn Asad al-Muḥāsibī e deve muito ao ideal ascético encontrado no cristianismo, que ensinava a doutrina da renúncia completa e da entrega a Deus como caminho para a redenção.
Os primeiros sufis contentavam-se principalmente com um modo de vida que purificasse o ego carnal (nafs) de seus pecados e fraquezas, permitindo que a alma entrasse no caminho que leva a Deus. Nesse caminho, havia certos estágios nos quais a alma podia adquirir qualidades que a levariam adiante e para cima, a estágios ainda mais elevados. Esses estágios e estações, com suas qualidades resultantes, incluíam arrependimento (tawba), paciência (ṣabr), gratidão (shukr), esperança (rajā’) e temor (khawf), pobreza (faqr), ascetismo ou renúncia (zuhd), a fusão da vontade pessoal com a Vontade de Deus (tawḥīd), dependência e confiança em Deus (tawakkul), amor (maḥabba) — incluindo anseio por Deus (shawq), comunhão com Ele (uns) e satisfação com tudo o que Ele deseja (riḍā’).
Sobre o amor, os sufis têm muito a dizer: é o “vinho da vida”, que leva ao êxtase encontrado na experiência imediata de Deus. Esse é o “amor puro”, livre de qualquer motivo interesseiro. Um desses amantes foi perguntado de onde vinha e para onde ia, e respondeu que vinha do Amado e ia para Ele. Questionado sobre o que buscava, disse que buscava encontrar-se com o Amado; seu alimento e bebida eram a lembrança do Amado e o anseio por Ele. Quando lhe perguntaram com que estava vestido, respondeu que era com o véu do Amado e que seu rosto estava pálido por causa da separação dEle. Por fim, impacientes, seus questionadores perguntaram-lhe por quanto tempo continuaria falando do “Amado, Amado”, ao que ele respondeu que falaria até ver o Rosto do Amado.
Esses estágios no caminho levavam ao conhecimento de Deus, a gnose (ma‘rifa), Seu dom que permite ao místico contemplá-Lo, alcançar a realização (tamkīn) do objetivo buscado e entrar na vida unitiva com Ele, que é o fim do Caminho, o desaparecimento da mortalidade (fanā’) e a entrada na imortalidade (baqā’).
Enquanto os primeiros sufis levavam uma vida de renúncia ao mundo e autodisciplina, dedicando-se à devoção, meditação e oração, também passavam tempo oferecendo orientação espiritual aos que a buscavam. Era um modo de vida que acreditavam levá-los a Deus e trazê-los para a comunhão com Ele. Mas logo o sufismo desenvolveu uma doutrina teosófica, baseada no misticismo, que incluía concepções de tipo filosófico, relacionadas à Natureza da Divindade e à relação da alma humana com Deus. Os sufis começaram a se preocupar com os meios pelos quais o humano poderia ascender ao Divino, como isso seria realizado e com a vida em união com Deus e tudo o que o alcance desse objetivo significaria.
No final do século IX e início do século X da era cristã, ideias panteístas de tipo espiritualista começaram a aparecer no sufismo. Esses místicos panteístas acreditavam que Deus, a Única Realidade, habitando em solidão, desejava compartilhar Sua Realidade com outros, manifestar Sua Beleza àqueles que criara, o que levou à doutrina da universalidade Divina e de uma Unidade absoluta, afirmando que a glória de Deus é encontrada em todas as coisas, mas em graus variados. Assim, acreditava-se que a Única Realidade, Deus, habitava e se manifestava em toda parte, especialmente na alma humana, enquanto este mundo era visto como o espelho no qual o Ser Verdadeiro se refletia. Esse aspecto panteísta do sufismo foi desenvolvido primeiro na Pérsia.
A música e o canto eram usados pelos sufis como meios de despertar o sentimento religioso, e muito do ensino mais puro e característico do sufismo é encontrado na poesia mística. Muito disso é simbólico e expresso, por vezes, de forma sensual, como a melhor maneira de interpretar a experiência mística. O amor, em seus efeitos, é comparado ao vinho; enquanto Deus é a Beleza Suprema, o Objetivo final de todo amor verdadeiro, o amor terreno pode ser usado como um tipo do amor Divino.
Como, para os sufis, o amor era a essência real de toda religião, a maioria deles, especialmente os sufis posteriores, eram universalistas, admitindo que todas as religiões continham algo da verdade e que todos os adoradores, que eram amantes de Deus, buscavam o mesmo objetivo.
Como aponta um escritor antigo sobre o assunto, o sufismo e o conhecimento de Deus são fundados na santidade, e os santos (awliyā’) são os escolhidos entre os sufis (khuṣūṣ al-khuṣūṣ), que seguiram o Caminho até o fim e alcançaram a vida unitiva. Eles são os “amigos de Deus”, a quem Ele escolheu para agir através deles: libertos das paixões do ego carnal, sua comunhão é apenas com Ele, e como sua vontade é uma com a dEle, podem interceder por seus semelhantes, e suas orações são atendidas. Oração era feita aos santos mesmo após sua morte, buscando sua intercessão pelos vivos, e peregrinações eram feitas a seus túmulos, que eram grandemente venerados.
Assim, o sufismo tornou-se uma escola para santos, e o santo, em quase todos os casos, tornava-se um mestre e guia espiritual para um pequeno ou grande grupo de discípulos. Isso levou à formação das grandes ordens religiosas do islã, que reivindicavam como fundadores os grandes santos sufis, alguns dos quais, como os santos de outras religiões, não apenas possuíam grandes dons espirituais, mas também habilidade prática em administração e poder nos assuntos humanos.
Os sufis incluíam muitos tipos de personalidades, desde o santo simples e iletrado, que não teve mestre, como a mulher Rābi‘a al-‘Adawiyya, cujo ensino é citado por muitos sufis posteriores, até o erudito distinto, com a melhor educação de sua época, que viajou amplamente e entrou em contato com todos que poderiam ajudá-lo na tarefa de compreender o sufismo, descobrindo, no fim, que se tratava de uma questão de experiência pessoal, como o grande al-Ghazālī e outros. Todos descobriram igualmente que a alma deve buscar a Deus, e essa busca, após percorrer o caminho com paciência e humildade e sempre com a entrega da alma à orientação Divina, levaria ao alcance do objetivo desejado: a vida em Deus.
