Sohravardi (CETC) – Êxtase
Hûrqalyâ: “Mundus imaginalis” ou o mundo das Formas imaginais e da percepção imaginativa.
Livre des Elucidations, p. 108, § 83. « Certa noite em que havia sol, Hermes estava em oração no templo da Luz. Quando irrompeu a 'coluna da aurora', eis que viu uma Terra se engolindo com cidades sobre as quais havia caído o furor divino e que desabaram no abismo. Então gritou: Tu que és meu pai, salva-me do cercado dos vizinhos da perdição! E ouviu uma voz gritar-lhe em resposta: Agarra-te ao cabo de nossa Irradiação e sobe até aos merlões do Trono. Então ele subiu, e eis que sob seus pés havia uma Terra e Céus. »
Shahrazôrî: « O autor designa simbolicamente por Hermes a alma nobre e perfeita. Sua oração é sua orientação para o outro mundo. A noite de sol é a Presença já real daquilo que a alma almeja por seus esforços espirituais e seguindo o itinerário místico. O rompimento da coluna da aurora é a epifania da alma fora do corpo material, quando lhe sobrevêm as luzes divinas e as fulgurações sacrossantas. Assim como para nós a coluna da aurora surge do horizonte terrestre, assim esta coluna da aurora — quero dizer a alma pensante — eclode ao surgir da Terra do corpo. Então é bem verdade que Hermes vê uma Terra se engolindo. O peregrino, isto é, a alma pensante que o relâmpago das teofanias manifesta fora do corpo material, vê a Terra de seu corpo e suas cidades, ou seja, suas faculdades, se engolindo juntas, porque, devido a esta revelação e epifania, a alma se encontra no espaço das Luzes inteligíveis e das entidades superiores, enquanto o corpo e suas faculdades permanecem no espaço do mundo inferior sobre o qual cai o furor divino, o que é uma maneira de indicar que, em relação à Majestade divina, eles marcam o máximo de distanciamento. Então o peregrino místico, elevando-se do abismo do corpo material para o zênite da Inteligência, chama por 'seu pai', nome que designa ou o Ser Necessário por si mesmo, ou a Inteligência arcanjo da qual emana a alma do místico. Salva-me, clama ele, do cercado dos vizinhos da perdição, isto é, das faculdades corpóreas e dos laços materiais. Uma voz lhe responde: Agarra-te ao cabo da Irradiação, ou seja, à teosofia especulativa e à teosofia prática, ambas conduzindo aos mundos superiores. Sobe até aos merlões do Trono, até às Inteligências angélicas separadas da matéria. E eis que sob seus pés havia uma Terra e Céus. Eis que, de fato, Hermes se elevou acima de todos os universos materiais, acima do mundo das Esferas celestes como acima do mundo dos Elementos. Ora, os antigos Sábios costumavam designar as entidades espirituais como Esferas, porque aquelas cuja luz é mais forte englobam as mais fracas, da mesma maneira que as Esferas celestes se englobam umas às outras. É a isso que alude Platão quando declara: 'Vi em estado de êxtase Esferas de luz', o que quer dizer Céus que só são visíveis àqueles que ressurgem, quando outra Terra sucede à Terra e quando novos Céus sucedem aos Céus. »
Ibn Kammûna: « Há aqui um conjunto de símbolos difíceis de decifrar. Conjecturamos o seguinte. O rompimento da coluna da aurora é a epifania das luzes dos altos conhecimentos. A Terra é o corpo ou a matéria em geral. As cidades são as almas que se apegam aos corpos materiais, ou as faculdades que neles têm sede. Parece, portanto, que o autor assimila essas faculdades aos habitantes dessas cidades, e designa por essas cidades os próprios habitantes, como quando se diz: 'A cidade buscou refúgio em Deus', querendo dizer com isso os habitantes. Sua queda no abismo é a decadência do posto que valeria a essas almas o princípio de sua natureza originária. Essa decadência, já se conhece sua modalidade e causa. O cercado é o corpo; os vizinhos da perdição são as faculdades corpóreas. O cabo da Irradiação é a junção com o mundo superior. Os merlões do Trono são as entidades espirituais. Finalmente, que houvesse sob os pés de Hermes uma Terra e Céus, isso quer dizer que sua ascensão agora o fez sair do mundo dos corpos e das realidades materiais, acima de sua Terra como de seus Céus. » Assim como Shahrazôrî anteriormente, Ibn Kammûna é levado aqui a aludir ao célebre relato de êxtase que todos nossos autores atribuem a Platão, quando se sabe que se trata, na verdade, de um testemunho de autobiografia espiritual das Enéadas de Plotino (iv, 8 i). Nossos autores o conheciam por um trecho da Teologia chamada de Aristóteles, que era, pode-se dizer, um de seus 'livros de cabeceira'. Sohravardî ainda cita suas primeiras linhas no curso de sua 'Teosofia oriental', e seu comentador, Qotboddîn Shîrâzî, se apressa a transcrever o trecho inteiro. Nossos comentadores não duvidam, e têm toda razão, que o êxtase de Hermes significa sua entrada no inter-mundo, isto é, no mundo de Hûrqalyâ. Ibn Kammûna cita em apoio os três mesmos textos dos quais se pôde ler acima a tradução. Hermes saiu dos limites da Terra e dos Céus visíveis da astronomia, e penetrou no mundo das Formas imaginais, o mundus imaginalis, que tem ele mesmo sua Terra e seus Céus, e contém, entre outras cidades inumeráveis, Jâbalqâ e Jâbarsâ. Ibn Kammûna conclui: « A intenção real do autor nesta passagem apresenta para mim mais dificuldades que tudo o que precede neste capítulo. » Essas dificuldades, Shahrazôrî não as sentia; mas é verdade que Ibn Kammûna não era um místico.
O relato de êxtase, tal como figura no texto árabe da Teologia chamada de Aristóteles, sendo uma paráfrase do texto das Enéadas, não se dá aqui sua tradução. Em contrapartida, essa nova Terra e esses novos Céus que não são mais os do mundo sensível, mas são a Terra e os Céus do mundus imaginalis ('âlam al-mithâl), são ainda assinalados em um trecho da Teologia chamada de Aristóteles, que Sadroddîn Shîrâzî (cf. infra, vi) particularmente utilizou em suas lições sobre o livro II da 2ª parte da 'Teosofia oriental'. Aliás, é um texto que justifica a imagem dos Céus ou Esferas de luz atribuída às entidades espirituais e que, segundo nossos autores, Platão havia contemplado. Citamos aqui esse trecho na tradução de nosso colega M. Georges Vajda: « As entidades espirituais são de vários tipos. Há as que têm sua morada no céu situado acima do céu estrelado. Cada uma das entidades espirituais residentes nesse céu está na totalidade da esfera de seu céu, ao mesmo tempo que tem um lugar determinado, distinto do de sua companheira, ao contrário das coisas corpóreas que estão no céu, pois elas não são corpos e o céu em questão também não o é. Eis por que cada uma delas está na totalidade de seu céu. Dizemos que por trás deste mundo há um céu, uma terra, um mar, animais, plantas e homens celestes; cada ser que está naquele mundo é celestial e não há lá coisa alguma terrestre. As entidades espirituais que ali estão correspondem aos seres humanos que ali estão; nenhum é diferente do outro, e não há oposição nem contrariedade entre eles, mas cada um repousa sobre o outro. »
