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Ibn Ata’allah – Embriaguez

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O melhor dos caminhos, ó amigo, é uma embriaguez perpétua. Mesmo que tua aparência externa permaneça sóbria, tua alma deve sempre provar dessa taça de felicidade. Somente ela, ó amigo, pode te proteger da secura interior. Somente ela, como o cajado de Moisés, pode fazer jorrar do rochedo do teu coração fontes vivas. E cada parte do teu ser saberá então onde se saciar:

Cada um soube onde deveria beber. (Cor. 11/60)

A embriaguez, ó amigo, é para ti a fonte de toda clareza. O homem embriagado segue sem esforço um caminho límpido. Ele não age por si mesmo, mas é o vinho que age nele. Suas palavras são poemas, seus silêncios são viagens. O vinho do espírito te liberta, ó amigo, das tuas próprias amarras. Como um pássaro libertado da gaiola, tua embriaguez nasce do voo livre das asas da tua alma.

O pássaro do espírito repousa Sobre um ramo de luz, Num espaço cristalino, No cume do universo.

Ó amigo! Quando te vê Rodopiando, ele se expande E se eleva nas nuvens, Nas ondas de alegria De uma doçura infinita.

Ele sobe velozmente Para o céu da beleza E se aniquila para sempre No ser original.

É na embriaguez do amante Que ainda se pode vê-lo, Em seus braços acolhedores Nas cores da noite.

Uma tímida vermelhidão Sobre a fronte da aurora.

Não vês, ó amigo, o Faqîr dançar em sua embriaguez? Não vês que é sua ausência que lhe abriu a porta da presença? Não vês que é porque se afogou no oceano do amor que agora repousa na plenitude?

“Toma o que resta do sopro que me deixaste, Pois não há mérito em um amor que deixa algo da vida.” (Ibn Fârid)

Não vês que ele já morreu, mesmo parecendo estar vivo?

Abre teus olhos e verás que seu corpo está nu num sudário branco. Foi a espada do amor que cortou os laços de sua alma. Foi ela que lhe deu a morte depois de lhe dar a vida.

Como pássaros brancos, as almas dos dançarinos se elevam em nuvens. Seus corpos são apenas rastros de suas memórias terrestres.

O vinho do Teu amor correu em minhas veias, E minha imaginação embriagada concebeu Tua beleza.

Quando o pássaro retorna de sua longa jornada… Quando pousa novamente no ramo… Quando a alma é devolvida ao corpo ofegante… Quando os olhos se abrem para este mundo material… A memória do espírito testemunha sua visão.

Há uma luz depositada nos corações, Mantida viva pela luz que emana dos tesouros do mistério. (Hikam)

História: Havia em Fez uma mulher chamada Aïcha, que tinha como mestre espiritual seu próprio irmão.

Um dia, Aïcha experimentou o “Fath”, a abertura suprema do espírito, que a mergulhou em um estado de êxtase e amor, afastando-a de todo interesse mundano.

Ela decidiu então doar todos os seus bens, o que desagradou a seu marido, também discípulo do mesmo mestre, que foi reclamar:

“Que posso fazer?”, disse o mestre, “ela é como alguém cujas roupas pegaram fogo e tenta apagá-lo.”

“O fogo do amor”, disse um sábio, “consome todo apego às posses terrenas, assim como o fogo material consome as roupas que toca…”

Reflete sobre essa história, ó amigo, pois assim são os atos de quem está embriagado de amor. Ele não age por simples escolha, mas sim sob o impulso de um fogo interior.

Essa embriaguez, ó amigo, dita a nobreza do comportamento e te liberta da vaidade dos teus atos. Ela inspira a virtude e a torna invisível a teus olhos.

A embriaguez inspira generosidade ao avarento e cálculo ao impulsivo. Ela desperta bondade e compaixão pelos desconhecidos. Ela concede coragem ao medroso e eloquência ao tímido. Rompe teus limites e barreiras e projeta para fora de ti o teu ser de luz.

Leva essa taça aos teus lábios, ó amigo, pois seu fogo concede força e vida.

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