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Ibn Ata’allah – Qualidades

SkaliTL “Trabalha, ó amigo, para embelezar tua alma, e saiba que no lugar de cada um de teus defeitos pode florescer uma virtude. Mas saiba também, ó amigo, que além de tuas virtudes existem outras maiores, que além de tua compaixão há uma compaixão mais ampla, acima de teu conhecimento outros conhecimentos, maior que teu amor um amor abrangente. Se não visses isso, ó amigo, tuas próprias virtudes se tornariam defeitos, e teu conhecimento, teu amor e tua compaixão não seriam senão formas de presunção. História: Conta-se que um discípulo disse ao seu mestre que o amava com um amor transbordante. “Mentes”, disse o mestre. O discípulo, ofendido, encheu-se de ira. Pobre amigo, o que é tua compaixão diante da compaixão infinita na qual estás imerso a cada instante! Tua visão, no entanto, se cega, e tua presunção cresce ao ponto de acreditares que, se o poder te fosse dado, o universo seria melhor regido e de harmonia mais justa. História: Relata-se que um homem decidiu adquirir o poder do “Nome Supremo”, o Nome divino secreto pelo qual poderia agir sobre todo o universo e executar nele todas as suas vontades. Não, é claro, para praticar o mal, mas para que finalmente o bem reinasse sem divisão. Isso levou longos anos de jejuns e orações, de privações de todos os tipos suportadas com paciência. Um dia, ele teve a graça de encontrar um homem que lhe disse que, se fosse à praça do mercado, veria naquele dia aquele a quem Deus havia concedido esse segredo e que poderia então pedi-lo a ele. Nosso homem, sem pensar em comer ou beber, não tinha outro interesse senão observar incessantemente as pessoas naquele lugar, esperando finalmente descobrir qual delas era o eleito de Deus. As horas passavam sem qualquer sinal. Ele observou, porém, uma cena que o indignou e fez com que lamentasse mais do que nunca não ter o segredo: um homem velho e cansado carregava feixes de lenha nas costas e, sem querer, esbarrou em um jovem que passava. Este último, tomado por violenta ira, espancou o velho sem piedade, sem consideração por sua idade ou fraqueza. “Ah! Se eu tivesse o segredo”, dizia o buscador, “teria imediatamente feito justiça a esse ancião pelos ultrajes revoltantes que sofreu!” O dia terminou, e nosso homem estava mais amargo do que nunca. Muito tempo depois, ele teve novamente a sorte de encontrar o homem santo que parecia conhecer o detentor do inalcançável “Nome”. Não deixou, porém, de expressar sua decepção e contou como aquele dia infrutífero o havia feito testemunhar uma cena que o revoltara. O homem santo então lhe disse que, se não havia visto aquele que procurava, só tinha a si mesmo para culpar. “O detentor do segredo supremo, ó amigo, não era outro senão aquele velho homem que viste aceitar a provação sem reagir.” Só ao verdadeiro sábio, ó amigo, são verdadeiramente confiados os poderes supremos. Só aquele que age pela Verdade, e não por si mesmo, torna-se o depositário do segredo. Aquele cuja visão interior se iluminou sabe que não há outro poder senão o da Realidade infinita. Mas o homem de hoje, ó amigo, está certamente imbuído de sua própria presunção. Os reflexos de poder que atribui a si mesmo o mantêm longe de tal percepção. Ele conheceu apenas uma ínfima parte das coisas e se contentou com isso! Quando, ó amigo, estás repleto de bons sentimentos, cuidado para não te afastares da retidão da intenção. Assegura-te, ó amigo, de que o ouro dessa riqueza não seja apenas um verniz. Atenção: a espuma da onda pode ter a pretensão de abranger o mar. História: Conta-se que um santo estava em proximidade com a Presença divina quando a ouviu dizer: “Se Eu revelasse alguns de teus estados interiores às pessoas, elas teriam menos consideração por ti.” O santo, marcado pelo selo da visão, não se perturbou e respondeu: “Se eu revelasse Tua verdadeira Compaixão às pessoas, a maioria delas, tranquilizadas, se afastaria de Ti.” Uma voz então, emanando da Presença suprema, concluiu este diálogo íntimo: “Não digas nada, e Eu nada direi!” O segredo, ó amigo, da compaixão é um segredo sutil. A Majestade e o Rigor divinos também são apenas faces de sua revelação: Aquele que não se volta para Deus pelas carícias dos benefícios é conduzido a Ele pelas correntes da provação. (Hikam) O próprio Jesus dizia: “Não digais que eu sou bom; só Deus é Bom.” O que podemos dizer então, tu e eu, ó amigo? A bondade e a compaixão da Realidade divina se expressam em cada uma de tuas inspirações e expirações. Em cada instante do universo. O mal só nos vem por nosso afastamento. Ele faz parte da provação da aventura humana. Esta é ao mesmo tempo sombra e luz. O caminho da compaixão, ó amigo, é como a água: precisa descer, não tentar subir, se um dia quiser alcançar o oceano. História: Diz-se que um santo estava em meditação quando, transbordando de amor e compaixão, exclamou: “Meu Deus, salvai todos os discípulos de minha comunidade!” Uma voz celeste então lhe respondeu: “E os outros, então? Não os criei também?”

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