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Ibn Ata’allah – Realidade

SkaliTL “Qual é então, ó sábio, o objetivo desta viagem? Há outros conhecimentos que o coração do homem poderia abraçar? Existe nessa mudança incessante dos seres e das coisas um porto seguro? Uma verdade imutável? Minha mente, ó sábio, permanece perplexa. Por que o homem deveria ser constantemente confrontado com tantos mistérios?” Ó amigo, o que conheces da Realidade é como a espuma sobre as ondas do oceano. Mas o oceano do Ser não tem fundo nem margens. É por seu poder que, a cada instante, as criaturas emergem do nada. É por seu dom renovado que se mantêm na espuma dos dias. Até o dia em que Sua vontade as chamar de volta. Assim Deus dá o exemplo do erro e da Verdade… (Cor. XIII/17) Os homens, ó amigo, estão como “ébrios, mas não estão bêbados”. Comem os frutos, mas não veem a árvore. Seu coração é mais vasto que o céu e a terra, mas sua alma está gelada de medo. Sua razão só pode ver a face exterior do mundo, mas é a ela que delegam seu poder. Quando todos os barcos naufragam e do fundo das entranhas do oceano sobe para o céu o desespero das vozes, escuta, ó amigo, todos os gritos que te habitam. Não os deixes ser abafados pelos tagarelices da terra. Não permitas que o barulho das palavras cubra as realidades do teu coração. A verdade não é a que tua boca articula. Se queres conhecê-la, ouve-a vir até ti, em ondas, do fundo do teu ser. Pois é dessa necessidade interior que nasce a visão. A verdade do teu ser, ó amigo, é apenas uma partícula da Verdade infinita. Aquele que se abre à verdade de seu próprio ser percebe também a Verdade dos universos. A gota d'água redescobre o oceano, e a onda, o mar. Aquele que, nesta viagem, se afirma, se quebra. Mas se o chamado do teu desespero for sincero, serás salvo. Escuta então estas palavras: Estou próximo daqueles cujo coração está partido. (Hadîth Qudsî) O objetivo de tua viagem será te aproximares dessa Verdade. Somente a ignorância e as pretensões de tua alma a encobrem. No dia, ó amigo, em que não houver mais fronteira entre ti e ti mesmo, verás seu oceano te cercar por todos os lados. Pois aquele que contempla o Uno é então unificado. Ó amigo, é em direção à visão que viajas. Não sejas como aqueles ignorantes que querem ver antes de chegar. Mas, como o recém-nascido que ainda não sabe enxergar, a visão se instala suavemente em ti desde teu primeiro nascimento para a Verdade. Essa visão não é a do teu olho de carne. Antes de habitar teu coração, ela acompanha teu pensamento. Há dois tipos de meditação: Um é o da afirmação e da fé, O outro é visão e contemplação. O primeiro é para aqueles que sabem ler os sinais, O segundo para os homens da contemplação e do discernimento. (Hikam) É desde o início de tua viagem que a Verdade deve ocupar tuas meditações. Se queres alcançar, ó amigo, a caravana, busca no solo seus rastros e sinais. Se queres reencontrar teu amado, vai ao encontro de suas notícias. Cada palavra que ouvires, cada viajante que interrogues te aproximará um pouco mais dele. É nas articulações de seus lábios que verás novamente ressurgir sua imagem do esquecimento. O mundo inteiro é trevas, mas o que o ilumina é a manifestação da Verdade nele. Aquele que vê o mundo, mas não A contempla nele, ou perto dele, ou antes dele, ou depois dele, está privado de luzes. Os sóis do conhecimento lhe são velados pelas nuvens dos seres manifestados. (Hikam) A Realidade, ó amigo, Una e Infinita, engloba todas as coisas, manifesta todas as coisas e dá sentido a todas as coisas. Ela, no entanto, só tem sentido por Si mesma, em Si mesma, para Si mesma. É Única porque nada exterior pode defini-La. Como poderia estar velada? Apenas, ó amigo, o olho do teu coração está obscurecido. A prova de Sua Onipotência — glorificado seja! — é que Ele te velou a Si mesmo por aquilo que não pode coexistir com Ele. (Hikam) A Realidade, ó amigo, se oculta de ti, não por distância, mas por proximidade. Ele se velou pelo excesso de Sua manifestação E escapa aos olhares pela intensidade de Sua luz. (Hikam) Como poderíamos imaginar que algo O velasse se é Ele quem manifesta todas as coisas? Que algo O velasse se Ele se revela por todas as coisas? Que algo O velasse se Ele se revela em todas as coisas? Que algo O velasse se Ele Se manifestou a todas as coisas? Que algo O velasse se Ele Se manifestou antes da existência de todas as coisas? Que algo O velasse se Ele é mais manifesto que todas as coisas? Que algo O velasse se Ele é o Único, com Quem nenhuma coisa coexiste? Que algo O velasse se Ele está mais próximo de ti que qualquer coisa? Que algo O velasse se, sem Ele, nada existiria? Ó mistério! Como pode o Ser aparecer no nada ou como pode o temporal subsistir com Aquele que possui o atributo da eternidade! (Hikam) Ó amigo, quando te falo da Verdade, de Deus ou da Realidade, é dessa Realidade que se trata. É suavemente que deves acostumar teus olhos à Sua luz, ou então serias como os “arrebatados” cuja razão foi levada pelos relâmpagos. Sê antes daqueles que viram e permanecem testemunhas vivas. Ó amigo, não sejas como esses ignorantes que querem demonstrar a Verdade. Ó tu que buscas provas, se não fosse Sua Realidade Infinita, nem tu nem tuas provas existiriam! Somos bem mesquinhos no caminho do amor Se buscamos provar nosso Amado. (Harrâq) Mas é natural, ó viajante, que busques a tranquilidade do teu coração. Mas é para que meu coração se tranquilize… (Cor. 2:260) Só a visão pode te dar a certeza que teu coração esperava. Mas só tua não-sabedoria pode te aproximar dela. Limpa teus olhos das sombras e ídolos que neles se agitam. Deixa tua alma se tornar o olho no qual a Verdade se manifesta e pelo qual Ela é contemplada. Aquele que vê por Ela, ó amigo, compreende. Mas aquele que busca vê-La por si mesmo permanece cego. Que distância entre aquele que prova por Ele E aquele que busca prová-Lo. O primeiro reconhece a Verdade onde Ela está e afirma tudo pela existência de seu princípio; O segundo, ao provar Deus, mostra o quão longe está d'Ele. Pois quando Ele esteve ausente para que fosse necessário prová-Lo? Ou quando esteve distante para que as criaturas O conduzissem? (Hikam)

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