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Natureza, Mundo, Alma do Mundo (Jambet)

Christian Jambet (USJJ6)

E é preciso distinguir cuidadosamente a Natureza, que é o conjunto das Figuras onde a forma dada pela Alma transmuta a matéria, e o Mundo sensível onde encontramos, além dessas formas que simbolizam o divino, a maldade, a infelicidade e a irredutível opressão. O Mundo não é belo, é a Natureza que é bela, que é ordenada, de uma beleza secreta (batin). Ela só é perceptível aos olhos da Alma, à imaginação ativa. E veremos que nossa Teologia, longe de toda religião legalista, dá as primeiras notas do grande concerto do imaginal em terra do Islã. Para aceder a essa Natureza que está para a Alma assim como a Alma está para o Intelecto, é preciso remeter, por uma hermenêutica, os signos sensíveis dispersos pelo mundo: « A beleza da Natureza está escondida de nós porque não estamos acostumados a ver o interior das coisas e porque não o desejamos » n. O mundo, se ele opõe o obstáculo da evidência potente e densa de sua desordem, é o efeito do mau desejo; ele nos esconde a Natureza, quer passar por ela, e uma conversão, uma reorientação do olhar é necessária para que um bom desejo revele a imagem da Alma, o efeito do amor da Alma pelo Intelecto. Incontestavelmente, a tonalidade que domina na Teologia não é a da temática cosmopolítica. Pois a diferença entre a Natureza e o Mundo, entre a beleza emanada da Alma e o mundo sensível obscurecido pela matéria e pela desrazão, essa diferença exprime o drama da própria Alma do Mundo: saída do Intelecto, ela é, no entanto, o Intelecto tomando consciência de si. Inteligível, ela saiu, no entanto, do Intelecto para se aproximar da matéria. Essa descida é, à sua maneira, uma queda, uma perda, cujo sentido a Alma busca. Essa busca leva à revelação do amor, como chave da processão dos mundos divinos, e o segredo do Uno desconhecido. Aqui também não se pode deixar de pensar no que será a teosofia magistral de um Ibn ‘Arabî. Mas em que todas essas questões, relativas à Alma do Mundo, afetam a alma singular? É preciso, para compreendê-lo, retornar ao ponto em que o tratado de Aristóteles, Da Alma, havia deixado o delicado problema do Intelecto Agente: « há, por um lado, o intelecto capaz de se tornar todas as coisas, por outro lado, o intelecto capaz de produzi-las todas, semelhante a uma espécie de estado como a luz: de certa maneira, com efeito, a luz também faz passar as cores do estado de potência ao ato. E este intelecto é separado, sem mistura e impassível, sendo ato por essência… é quando foi separado que ele é somente o que é propriamente, e só isso é imutável e eterno » 13. Aristóteles distingue, portanto, um intelecto passivo e um intelecto ativo, separado da matéria (khôristos). Seus comentadores gregos não deixarão de confrontar essa posição de tese com a doutrina da alma como forma do corpo, à qual ela traz uma correção decisiva. É assim que Alexandre de Afrodísias distinguirá três noûs: o intelecto « material » (nous hylikos) simples potência de receber a marca dos inteligíveis, como a matéria recebe a forma, o intelecto adquirido (noûs epiktêtos), o intelecto ativo (noûs poïetikos)14. Estamos no caminho de um questionamento da dependência do intelecto em relação a uma de suas funções: o processo de abstração que induz as verdades gerais a partir das realidades individuais. Como essas realidades são substâncias onde a forma não pode deixar de estar ligada à matéria que singulariza a substância, esse processo de abstração condena, se for a função mais eminente da alma, o intelecto a relações com o universo material sem as quais suas verdades não teriam nem lugar nem possibilidade de ser. A isso se substitui uma concepção totalmente diferente do Intelecto, que Aristóteles, por seu vocabulário estranhamente iluminativo, contribuiu fortemente para introduzir. É o Intelecto separado que, elevando-se sobre a alma como uma luz, faz passar o intelecto em potência ao estágio do intelecto adquirido. Trata-se, de fato, de uma inversão completa das prioridades da alma. Ela é iluminada por um Intelecto que lhe é ontologicamente superior, e se orienta para esse polo imaterial e divino, em vez de, em sua atividade, ser dependente das realidades sensíveis. A alma singular pode, portanto, pressentir que uma de suas faculdades é mais que uma faculdade, mas uma semente de imortalidade, a marca nela da iluminação pelo Intelecto Agente. A Teologia dita de Aristóteles amplifica essa inversão de estilo platônico. A Alma do Mundo, unida por amor ao Intelecto separado, mundo verdadeiro das Formas imateriais, é o arquétipo da união amorosa da alma singular a seu senhor, de sua orientação para os mundos divinos. O Intelecto é o lugar desse retorno (rujû’) da alma, ao mesmo tempo que é o princípio de seu arrebatamento e a origem das formas que se arrebatam. As Narrativas Visionárias de Avicena, os pensadores da tradição Ishraqî, e Sohravardî o primeiro de todos, não deixarão de identificar esse Intelecto Agente ao Arcanjo Gabriel e de mostrar a homologia entre a iluminação metafísica pelas Formas universais e a esotérica da iluminação profética. A Alma do Mundo é a mediação para esse Pleroma angélico, do qual ela forma um dos primeiros graus e tem a seu cargo o destino post-mortem das criaturas, ela será o lugar privilegiado da ressurreição. Sem ela e sem o Intelecto agente ao qual ela conduz a peregrinação da alma singular, esta seria reduzida à animação do corpo de carne e pereceria com ele. A Alma do Mundo não tem como papel essencial dar forma ao mundo sensível, mas, pelas Formas no Mundo, produzir um chamado da Natureza em direção ao Intelecto, e daí para o mundo divino (al-’âlam al-ilahi), como se fala comumente de uma « corrente de ar ». A formação do Mundo só tem sentido pelo impulso assim provocado em direção a um polo que não é do mundo, o investimento da matéria pela forma só tem sentido se a forma se concentra em si mesma, se reencontra a si mesma, se evade para o Pleroma angélico. O valor do sensível é tornar visível a Ideia. Mas a Ideia, por sua vez, transmuta o sensível, remetendo-o ao seu arquétipo angélico ou noético. É nesse círculo, quase indizível, feito mais para o contemplativo do que para o homem da razão discursiva, que a descida da Alma e sua subida encontram sua verdadeira unidade.

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