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Izutsu (TIST:361-362) – Essencialismo, influência da linguagem

Na filosofia ocidental contemporânea, frequentemente se tem dado ênfase especial ao poder 'tirânico' da linguagem, a grande influência formativa exercida pelos padrões linguísticos na moldagem do nosso pensamento. A influência da linguagem é particularmente visível na formação da visão 'essencialista' das coisas.

Do ponto de vista de um 'existencialismo' absoluto, não há compartimentos estanques no mundo do Ser. O homem, no entanto, 'articula', ou seja, divide — arbitrariamente, na maioria dos casos — esse todo originalmente indiviso em vários segmentos. Em seguida, dá um nome específico a cada um desses segmentos. Um segmento da Realidade, assim nomeado, cristaliza-se em uma 'coisa'. O nome lhe confere uma fixidez 'essencial' e, assim, a protege da desintegração. Para o bem ou para o mal, tal é de fato o poder da linguagem. A linguagem, em outras palavras, sustenta positivamente o 'essencialismo'.

Uma vez que uma 'coisa' é estabelecida com um nome definido, o homem é facilmente levado a pensar que a coisa é essencialmente aquilo e nada mais. Se uma coisa é nomeada como A, ela adquire A-dade, ou seja, a 'essência' de ser A. E, como é A 'por essência', nunca pode ser outra coisa senão A. Dificilmente se poderia imaginar, nessas condições, que a coisa fosse B, C ou D. A coisa, assim, torna-se algo fixo e determinado de maneira inalterável.

Essa relação fundamental entre 'essencialismo' e linguagem é notada por Zhuangzi. Ele a percebe porque olha para a questão do ponto de vista do Caminho absoluto, no qual, como já apontamos repetidamente, não há sequer um traço de determinações 'essenciais'.

O Caminho não tem absolutamente nenhum 'limite'. Nem a linguagem (que produz e expressa tais 'limites') tem absolutamente qualquer permanência.

Mas (quando a correspondência se estabelece entre os dois) surgem 'limites' reais (essenciais).

Referindo-se à lógica sofística da escola de Gongsun Long, Zhuangzi aponta que esse tipo de lógica é um produto do 'essencialismo' linguístico.

Em vez de tentar provar por meio de 'dedo' que um 'dedo' não é um 'dedo', por que não provar por meio de 'não-dedo' que um 'dedo' não é um 'dedo'?

O significado dessa passagem só se tornará claro quando a entendermos no contexto da lógica sofística que era prevalente na época de Zhuangzi. O argumento dos sofistas da escola de Gongsun Long pode ser resumido da seguinte maneira. O conceito de 'dedo' abrange em si os conceitos de polegar, indicador, médio, anelar e mindinho. Na realidade, não há 'dedo' além desses cinco. Ou seja, o 'dedo' deve necessariamente ser um deles. No entanto, se tomarmos qualquer um deles, o 'dedo indicador', por exemplo, verificamos que ele nega e exclui todos os outros, pois o 'dedo indicador' não é nenhum dos outros quatro dedos. Assim, acontece que o 'dedo indicador', que é um 'dedo' real, não é um 'dedo', porque seu conceito se aplica exclusivamente a si mesmo, não aos outros.

Contra isso, Zhuangzi observa que tal argumento é simplesmente uma sofística superficial e rasteira. Não ganhamos nada mesmo que provemos dessa maneira que um 'dedo' não é um 'dedo'. No entanto, há um certo aspecto em que um 'dedo' pode ser propriamente considerado um 'não-dedo'. E esta última visão — embora superficialmente leve à mesma conclusão, ou seja, que um 'dedo' não é um 'dedo' — não é um sofisma. É uma visão que se apoia na 'caotificação' das coisas e que vai ao âmago da estrutura da Realidade.

O termo 'não-dedo' que aparece na segunda metade da afirmação citada acima não pretende ser o contraditório lógico de 'dedo'. Significa algo como um 'super-dedo' ou um estado ontológico em que um 'dedo' não é mais um 'dedo'. 'Por que não provar por meio de “não-dedo”?', pergunta Zhuangzi. Ele quer dizer: em vez de perder tempo tentando provar por meio de truques lógicos — como fazem Gongsun Long e seus seguidores — que 'um dedo não é um dedo' no próprio nível em que 'um dedo é um dedo', é melhor transcender de um só golpe o nível ontológico das distinções 'essenciais' e ver com o olho da 'iluminação' a realidade da situação. Pois, de fato, no nível da 'caotificação', um 'dedo' não é mais necessariamente um 'dedo', não está mais tão solidamente fixo que nunca possa ser outra coisa senão ele mesmo. Todas as coisas são uma, e não temos razão para insistir obstinadamente na ideia de que, como A é A, não pode ser outra coisa senão A. Assim, a afirmação 'um “dedo” não é um “dedo”' revela-se verdadeira; mas, desta vez, em um nível mais elevado do que aquele em que os sofistas se esforçam para estabelecer a mesma afirmação.

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