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Ratié (IRSA:729-731) – Si, por meios inferenciais

segundo os próprios princípios de Utpaladeva e Abhinavagupta, a investigação racional do Si parece, de antemão, fadada ao fracasso; pois se o Si é uma entidade automanifesta (svaprakāśa) que nada pode jamais desvelar porque, fonte desveladora da totalidade do ser, já está sempre ela mesma desvelada e não pode ser revelada como objeto de conhecimento, nenhum meio de conhecimento (pramāṇa) pode aplicar-se ao Si. O leitor lembrará que Utpaladeva, longe de permanecer cego ao problema, formula-o desde o primeiro capítulo do tratado. Acontece que ele retorna a isso depois de estabelecer os grandes princípios que governam seu sistema – a permanência e a liberdade absoluta do Si –, enquanto ele completa o exame dos meios de conhecimento. Abhinavagupta especifica que a kārikā II, 3, 17 responde à pergunta já abordada no primeiro capítulo: Mas se, assim, o meio de conhecimento não tem nenhum papel (anupayogin) e nem é possível (anupapatti) em relação ao Senhor, para que um tratado que tenha por objeto esse ? Pois o não é outra coisa senão um instrumento de conhecimento (pramāṇa)! Para que o tratado, se o tratado é um conjunto de meios de conhecimento inferenciais, e se nenhum meio de conhecimento pode aplicar-se ao Si? A kārikā responde: É apenas que a manifestação (prakāśa) dos poderes possibilita o recurso ao uso (vyavahāra) “Senhor” (īśa), etc., ao qual não se recorria (apravartita) anteriormente em relação ao , devido a um estado de desconhecimento (mūḍhatā). O tratado, como Abhinavagupta lembra em seu comentário, toma a forma de uma inferência (anumāna); mas trata-se de uma inferência analítica, ou “cuja razão é a natureza” (svabhāvahetu), em oposição a uma inferência causal, ou “cuja razão é o efeito” (kāryahetu), pois visa a mostrar que o Si é o Senhor, evidenciando o fato de que a natureza ou a própria definição (svabhāva) do Si implica a identidade com o Senhor, assim como a própria definição da śiṃśapā inclui o fato de ser árvore. Segundo os próprios lógicos budistas, tal inferência não estabelece a existência de uma coisa real (vastu), mas apenas justifica um uso (vyavahāra): Dharmottara, recorda-se, especifica que a inferência “isso é uma árvore, porque é uma śiṃśapā” apenas justifica o uso (vyavahāra) do termo “árvore” em relação ao objeto que também se chama “śiṃśapā”, apoiando-se em um certo número de propriedades comuns à árvore e à śiṃśapā (por exemplo, o fato de ter galhos). Ao afirmar na kārikā II, 3, 17 que o tratado se contenta em tornar possível o emprego de expressões correntes como “o Senhor” em relação ao Si, Utpaladeva pretende, portanto, primeiro insistir no fato de que o tratado, embora sendo uma investigação racional de tipo inferencial, nada demonstra a respeito da própria coisa (vastu) a que se referem os termos “Si” ou “Senhor” – ele se contenta em justificar o uso do termo “Senhor” predicado do termo “Si”, assim como a inferência svabhāvahetu, sem nos ensinar nada de novo sobre a entidade designada no mundo como uma śiṃśapā, justifica o emprego do termo “árvore” em relação a ela.

A inferência svabhāvahetu destinada a outrem não é, propriamente falando, demonstração, mas sim monstração. Pois quando se quer fazer notar a outrem que o objeto que está contemplando é um “pote”, contenta-se em incitá-lo a prestar atenção ao fato de que a coisa em questão, que é para ele objeto de uma percepção imediata, pode com razão ser chamada de “pote”, pois ele pode constatar por si mesmo que ela possui as propriedades (ser um recipiente, ter tal forma, etc.) que constituem a definição do pote, por outro lado já conhecida por ele: O que, no mundo, estabelece um simples uso (vyavahāramātra) em relação a um objeto inerte, quando isso é produzido em relação ao consciente, é “inteiramente semelhante a uma monstração (pradarśana)” – reduz-se a uma simples monstração, e é equivalente ao ato de mostrar que consiste em fazer prestar atenção (avadhānadāpānā) assim: “vê, vê!” (paśya paśya).

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