Abhinavagupta especifica que a originalidade do sistema, apesar de retomar os grandes princípios já enunciados na Śivadṛṣṭi de Somānanda, reside no fato de que ele procede por eliminação (apasāraṇa) sistemática das objeções (śaṅkā) emanadas dos sistemas adversos, que são tantas impurezas (kalaṅka) impedindo o sujeito empírico de se apropriar integralmente de sua própria experiência. E como afirma Utpaladeva, se a verdadeira natureza do Eu deve ser evidenciada pelo tratado, não é porque ela não seja sempre já experimentada, mas porque essa experiência imediata está sempre já mediada e contaminada (kaluṣīkṛta) pelos discursos daqueles que a ignoram. Seja o discurso da Pratyabhijñā polêmico ou fenomenológico, no fundo trata-se apenas de uma coisa: expor a experiência.

É verdade que esse é todo o paradoxo da abordagem de Utpaladeva e Abhinavagupta: eles se dedicam a evidenciar o que já deveria ser evidente, a revelar ao sujeito empírico sua própria experiência e a empregar, para expor esse saber imediato, a mediação da razão. Daí essas afirmações paradoxais, encontradas aqui e ali nos textos dos dois śivaístas, segundo as quais somos forçados pela necessidade da razão a admitir a existência de uma experiência: forçados a admitir a existência de uma síntese cognitiva na memória36, forçados a admitir a existência dessa síntese cognitiva na percepção, forçados a admitir a existência de uma tomada de consciência em toda cognição perceptiva, forçados a admitir a existência de uma tomada de consciência da unidade do sujeito e do objeto no desejo, etc. A razão, aqui, não se limita a apoiar-se na experiência: ela deduz a existência… de uma experiência que, no entanto, é imediata.

Esse paradoxo tem sua origem no mais paradoxal dos aspectos da liberdade da consciência: tanto o desprezo (anādara) quanto a consideração (ādara) da experiência são apenas maneiras da consciência se relacionar livremente consigo mesma, de modo que ela pode ignorar o que sabe com a mais absoluta evidência; e o tratado não tem outro objetivo senão incitar seu leitor a prestar atenção a essa evidência renegada.