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Sintonia espiritual

VM1972 Sou eu o teu alaúde, és tu quem toca cada uma das minhas cordas e as faz vibrar. (Diwan SP) O Mathnawi, que o canto da flauta abre à maneira de uma sinfonia com contraponto elaborado, é comparado por Rumi a um oratório espiritual; e é por meio de imagens musicais que se expressa a união mística das almas: “Temos”, diz ele ao falar de Husam-ud-Din, que simboliza para ele o Bem-Amado divino, “duas bocas, como o pífaro: uma delas está escondida entre seus lábios… Seu canto vem de seus sopros.” (Masnavi, VI, 2002, 2005) A música, dizia Debussy, é feita para o inexprimível; e ela própria é uma espécie de silêncio misterioso: “Eu gostaria de te falar sem palavras, Uma linguagem que permanecerá oculta a todos os ouvidos; Na verdade, mesmo que eu falasse entre a multidão, Nenhum ouvido além do teu me ouviria.” (Rumi, RRubaiyat) A transmissão de uma mensagem dirigida ao mais íntimo (sirr) da alma não pode se expressar por palavras, mas por esse “verbo mudo”, λόγος σιωπών, de que fala Plotino, o mesmo termo que Rumi usa para designar essa comunicação inefável: zaban-e-hal, a “palavra” muda que torna sensível uma certa tonalidade espiritual e permite captá-la na imediatidade de uma intuição inanalizável. Assim, um mestre taoísta, para tentar revelar ao seu discípulo o que era “seu” Tao, pegava dois alaúdes e, após afiná-los e colocá-los em duas salas diferentes, mostrava-lhe que, ao tocar uma certa nota em um dos alaúdes, fazia com que a mesma nota ressoasse no outro.

O que se busca criar no discípulo, de fato, é um estado de receptividade que favoreça a comunhão, a “sintonia” com o mestre, para que lhe seja refletido o eco de sua própria disposição espiritual (hal). Esse é o significado destes versos, nos quais Jalal-ud-Din Rumi retoma o tema árabe clássico do acampamento abandonado: “Não é verdade que o amante conversa, dia e noite, ora com as ruínas , ora com os vestígios ? Na aparência, ele voltou seu rosto para as ruínas, mas para quem, na realidade, ele canta esse canto de louvor? …Eu desejo ruínas tais que respondam, como a montanha, com um eco, Para que eu possa ouvir teu nome repetido…” (Masnavi, III 1345 seg) Além disso, toda maiêutica pressupõe essa sintonia espiritual que resulta na partilha de uma interioridade, e os místicos persas designam essa experiência com a bela expressão ham-dami, literalmente “ser do mesmo sopro”, ou, como diz Patrice de la Tour du Pin ao falar justamente da “troca misteriosa” das amizades: elas “participaram do seu batimento cardíaco”. Assim, Aflaki relata estas palavras de Mawlana: “Não sou este corpo que é visível aos olhos dos amantes místicos; sou esse gosto, esse prazer que se produz no coração do discípulo ao ouvir nossas palavras e ao escutar nosso nome. Grande Deus! Quando recebes este sopro, quando contemplas este gosto em tua alma, considera-o como uma dádiva e agradece a Deus por isso, pois eu sou isso.” (Huart, 1918)

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