Dubois (DDAG) – Si enquanto Senhor
DDAG
Do ponto de vista filosófico, a diferença entre o sivaísmo dualista e o não-dualismo de Abhinavagupta reside na definição do Senhor. Para os dualistas, Śiva é apenas outro que nós, embora compartilhemos a mesma essência eterna, onipresente, onisciente e onipotente. Já para Abhinavagupta, afirmar que o Senhor é outro que nós, ao mesmo tempo em que se diz que compartilhamos a mesma natureza, é incoerente. Afinal, como poderiam existir dois seres infinitos? Por analogia, se o espaço é infinito, só pode haver um único. Existe apenas um infinito, mesmo que suas possibilidades permitam distinguir nele inúmeros atributos. Mas essas diferenças são apenas construções racionais, não realidades, assim como no fogo distinguimos calor e luz do próprio fogo, por razões práticas, sabendo que o fogo que aquece é o mesmo que ilumina.
Assim, o Senhor não é outro senão o Si.
Mas como estabelecer a conexão entre seres tão opostos? Em outras palavras, como sustentar que o Si é onisciente, por exemplo? Afinal, nós, humanos comuns, somos apenas criaturas encarnadas, sujeitas às limitações da forma, do espaço e do tempo. Além disso, mesmo como espíritos puros, livres do corpo, ainda estaríamos, segundo a doutrina comum do sivaísmo, prejudicados pelas impurezas da finitude, da matéria e das consequências dos atos que realizamos no passado. Por quê? Porque, como dito antes, essa é a vontade do Senhor. Como grande parte dos pensamentos da Índia, o sivaísmo dualista não explica a causa primeira dessa condição de finitude de outra forma que não pela vontade soberana de Deus. Por outro lado, define o propósito último dessa condição: o objetivo da existência é purificar suficientemente essas impurezas para estar pronto para receber a graça libertadora por meio da iniciação.
