É difícil contar os arquétipos (Zolla)
Zolla2016
É difícil contar os arquétipos porque não são denotáveis por palavras, não se deixam encerrar em definições. Uma definição indica o ponto de interseção de uma taxonomia, mas um arquétipo é o que projeta uma taxonomia. Certos povos, no entanto, elaboraram uma lista das figuras visíveis nos céus e assim ordenaram arquetipicamente o cosmos, o calendário, o Estado, derivaram seus mandalas e panteões, que invocavam para encontrar um centro firme nos desvarios da vida, para adivinhar o futuro.
Dessas criações, o I Ching e a geomancia sobrevivem.
Originalmente, os alfabetos eram panteões, listas de arquétipos; os nossos começam com o alfa ou touro sacrificial, seguido pelo beta ou bacia que recolhe seu sangue.
Nos sistemas completos, como o que se preservou entre os Dogon, cada arquétipo é visualizado como uma divindade, com seu mito, e em cada plano do ser corresponde a um setor. Cria-se assim uma rede ou grade que conecta entre si: um número, uma figura geométrica, um ritmo, um timbre, uma nota, um instrumento, uma ferramenta, uma arma, uma pedra, um metal, uma erva, um animal, um momento do ano, uma direção do espaço, uma cor, um odor, um sabor, uma parte do corpo, um temperamento, uma estrela, um destino.
Mas um sistema de arquétipos nunca é um mecanismo mecânico, uma lista exaustiva; seus dados devem ser incompletos: não programáveis para um computador. Como na pintura, não há sistema de preceitos e receitas que funcione, é uma maestria inefável que deve ser assimilada.
Os “aut aut” não servem no mundo dos arquétipos, que giram sem cessar, pulsam como criaturas vivas. O pensamento diádico deve recuar, como quando se entra no subconsciente (se se dão ordens hipnóticas negativas, no limiar do inconscio elas perdem a partícula privativa: os exorcismos contêm apenas preceitos afirmativos).
As línguas arcaicas são muitas vezes mais adequadas que as modernas para expressar o mundo dos arquétipos. Ignoram a negação: o “ne” indo-europeu é um reforço enfático que pode ser entoado na ironia. Ainda hoje, os insultos são quase sempre elogios sarcásticos, como “cornudo”. As palavras arcaicas conotam complexos mais do que objetos delimitados. A deusa itálica Mefite era tudo o que se podia sentir diante das exalações sulfúricas: excitação, atração, repulsa, e também era “aquela que afasta os fedores”.
Mana, “carisma”, nas línguas polinésias, designa o poder de um arquétipo encarnado em um homem, que pode impor aos outros os tabus que ele mesmo viola, e assim aumenta seu mana. Nas sociedades polinésias, esse conhecimento claro do “mecanismo de ação” dos arquétipos formava o privilégio da sociedade dos Arioi. Eram bufões que narravam e dançavam os mitos, realizavam sacrifícios, encenavam exibições eróticas. Suprimiam sua prole, ignoravam os tabus, mas ao mesmo tempo exerciam funções de polícia, obrigando os outros a seguir as normas. Só entre eles, especialistas do mana, as promoções de um grau a outro ocorriam por mérito. Participavam da natureza dos deuses-arquétipos personificados durante as cerimônias.
O acesso ao plano dos arquétipos muitas vezes ocorre mediante o sacrifício, um quiasma paradoxal, em que o sacrificante proclama à vítima: “Amo-te tanto que devo matar-te”. Inaugura a vida um grito de horror, cada ação é uma traição da ideia que a inspira, cada palavra pronunciada dessacraliza uma verdade interior: cada significado é imolado ao significante, cada encarnação é uma queda, do ponto de vista dos arquétipos. Quem vive em contato com eles raciocina por paradoxos: sacrifica para ganhar, dá para receber, como no potlatch. A realidade cotidiana confirma que com esses raciocínios invertidos se acerta o alvo: o esbanjamento aumenta o prestígio, obtém crédito, a sangria é terapêutica, o esforço treina. Mães e amantes falam uma linguagem arquetípica: acariciam arranhando, beijam mordendo, sussurram “vou te comer” para expressar ternura.
Pena e honra em grego se dizem com uma única palavra, timé.
Os sistemas jurídicos nunca conseguiram distinguir bem as compensações das penas: a honra do valente exige que corra na linha de frente, onde se alinham os batalhões de punição. A pena mais comum entre os Pueblos são os açoites, mas também se acredita que tragam sorte e curem reumatismos. Na Alemanha, no dia dos Santos Inocentes e no primeiro do ano, rapazes e moças se revezavam em bater alegremente uns nos outros, e escapar das palmadas da Páscoa era uma desonra.
Crime e realeza são consagrações que muitas vezes se confundem; os reis frequentemente se flagelavam e sangravam ritualmente, e às vezes se imolavam. Jubilar e jugular foram a mesma, idêntica palavra.
Os insultos e os elogios estão sempre prestes a se inverterem; os gueux ou mendigos de Flandres acabaram por se orgulhar do título; “cretino” deriva de “cristão”. O arquétipo ludibria os que ignoram sua paradoxalidade. Quando um novo arquétipo se impõe, as barreiras de insultos e polêmicas não o detêm; uma novidade se alimenta tanto de deprecações quanto de recomendações, ambas fazem circular o nome: como com as moedas, a circulação é tudo. Quem quer implantar uma moda paga quem a denigre.
Quando os sentimentos são fortes, é difícil decidir se não são o seu oposto. As fotos instantâneas de pessoas em luto ou em festa se confundem. Apenas as nuances do timbre decidem se uma frase é sarcástica.
No poema homônimo de Keats, Lamia lembra a dificuldade insuperável De distinguir o júbilo do sofrimento adjacente, De traçar sua fronteira irrelevante, separando-os Quando se tocam e alternam bruscamente; De pôr ordem em seu caos enganoso, repartindo Com arte certa os átomos ambíguos. Quando um arquétipo se manifesta, comprime em um único plexo bem e mal, ego e id, por isso obseda com sua ambiguidade, com sua surpreendente originalidade. O poeta, para significar arquétipos, evita as notações binárias, cria enigmas, e assim quem fala com arrebatamento. Quem sussurra a uma menina “Coelhinha!” sem pensar, distraidamente, emite uma miríade de mensagens num relâmpago, porque através da menina viu um arquétipo. “Coelhinha!” ilumina os recantos da memória onde se guarda o que na história foi o culto do coelho visível no disco lunar, a maravilha pelos percursos rápidos, de coelhinha, do planeta Vênus ou estrela Diana, pelas danças dos coelhos nas clareiras de lua cheia: ativa-se o mesmo circuito simbólico que fez do coelho um emblema de Buda, que tornou tabu a carne de coelho entre Celtas e Judeus, que fez do coelho o Trapaceiro divino no México. “Coelhinha” acende todas essas reminiscências, que delineiam o arquétipo inefável, inesgotável, adjacente ao de Pã, que a mãe envolveu, quando criança, em uma pele macia de coelho.
Se se insiste em representar certos símbolos, emerge o arquétipo dominante na psique. Há uma escola psicoterapêutica que usa o símbolo de um campo gramado. Uma alma perturbada tem dificuldade em visualizá-lo, porque teme seu significado de quietude e abandono, a associação inata à terra dos bem-aventurados, aos campos elísios onde o tempo se contrai ou se dilata. A psique doente, que abomina a quietude, se visualiza um campo, verá grama seca, solo pedregoso, cheio de tocos.
