Dürer: Melancolia

Excertos de Serge Hutin, “Tradição Alquímica”

O pequeno sinal que se insere, no cartão, entre a palavra Melencolia e o I é formado de duas espirais opostas pelo eixo vertical e reunidas por um losango curvilíneo, marcado, por sua vez, por um ponto central. Não seria, acaso, lícito ver na reunião — por certo proposital — desses detalhes, o símbolo particular de uma das fraternidades iniciáticas às quais pertencia o artista?

Por outro lado, a filiação de Dürer aos Maçons Operativos está expressa sem qualquer equívoco: em cima da ampulheta que aparece na gravura vemos o esquadro e o compasso. Mas outros indícios ainda podem ser tirados de certos detalhes que nos revelam de forma precisa o alto grau de iniciação alcançado pelo artista.

Por exemplo: na Melencolia está incluído um Quadrado Mágico. Se somarmos os números que o compõem, obteremos sempre, horizontal ou verticalmente, o número 34. Ora, a célebre Profecia de São Malaquias sobre os papas atribui a Clemente V (o cúmplice de Filipe, o Belo, na destruição da Ordem do Templo) o número 34. Quanto à data, 1514, a adição teosófica (1 + 5 + 1 + 4) dá 11, número importante em todas as fraternidades secretas diretamente ligadas ao Templo.

Voltando à qualidade de maçom de Albrecht Dürer, nota-se que a grande figura feminina usa uma coroa de folhas que lembram a acácia, planta sagrada que — na Maçonaria — é o símbolo da Imortalidade.

Enfim, o pequeno anjo segura com a mão direita um pequeno martelo, outro símbolo maçônico. Qual a interpretação de conjunto que devemos dar à gravura? Neste ponto, devem ser levadas em conta duas interpretações tradicionais que se completam.

A primeira, que se refere especificamente ao Apocalipse de São João, diz respeito ao terrível problema do fim do presente ciclo de manifestação. Um fiel discípulo de René Guénon, Louis Barmont, explicou-o de forma magistral em sua excelente obra: ESOTÉRISME D’ALBERT DÜRER LA “MELENCOLIA”.

Demos-lhe a palavra:

“O astro, evidentemente, é um cometa observado pelo artista por trás do arco-íris, durante um pesado dia de tempestade que explica a atitude do grande anjo e do animal. Se notarmos que a obra data de 1514, não podemos duvidar de que se trata do cometa que iluminou o céu do Ocidente justamente durante os anos de 1513-1514 (p.7)”

Ora, os cometas sempre foram considerados astros de mau agouro, anunciadores de calamidades. O astro de vasta cabeleira que aparece na gravura está orientado na direção Norte-Oeste-Sudeste: ele se inclina para a Balança, que, entre outros sentidos, é o signo zodiacal que corresponde ao Juízo Final, tal como é concebido pela revelação cristã: clara alusão, portanto, ao Fim dos Tempos.

Notaremos a presença, na parte direita da gravura, de uma Ampulheta que encima um Quadrante Solar: o artista quis simbolizar com isso o desenrolar, cada vez mais precipitado, dos acontecimentos no período terminal do Ciclo terrestre.

Quanto à Escada de Sete Degraus, ela poderá simbolizar os “Sete Milênios” de uma Idade do Mundo, isto é, as sete grandes divisões do Ciclo terrestre.

O cometa é concebido como um astro de fogo, símbolo do “Sol de Justiça” que — com o incêndio geral da Terra — provocará a completa renovação do Mundo. Mas a destruição pelo Fogo assinalará também o advento de um novo Ciclo terrestre, começando por uma nova Idade de Ouro. Este é o momento de lembrar a interpretação rosa-cruciana das iniciais I.N.R.I.: “Igne Natura Renovabitur Integra” — “A Natureza será totalmente renovada pelo Fogo”. Como observa Barmont (p. 36):

“A prodigiosa Melencolia terá fim, já que seu conteúdo se realizou plenamente, pois, há bem pouco, e Aquele que deve vir virá: Ele não há de tardar.”

Note-se, ainda, o animal fantástico, uma espécie estranha de serpente: ele simboliza o ataque final, destinado ao fracasso, dos céus pelas forças da involução: “Satã estará solto”, mas será vencido pela Luz Divina. Esta fase atrozmente negativa do fim do Ciclo terrestre é indispensável para que possa operar-se a futura regeneração; necessidade, portanto, para a infeliz humanidade, de beber o cálice da amargura, de assistir ao triunfo provisório das forças da involução, tão bem simbolizadas pelo vampiro (morcego) que paira sobre as ondas do Oceano.

Agora, a bandeirola. A palavra “Melencolia” vem seguida do que nos parece um ponto de exclamação; mas é perfeitamente possível ver aí um grande I. Esta será, de um lado, a inicial de Ignorância, tão característica da Idade de Ferro; pois é preciso que a putrefação chegue a seu termo: na gravura, nota-se um sol areento. Ora, a areia, em heráldica, corresponde à putrefação alquímica (fase negra, mas absolutamente necessária para o bom êxito da Grande Obra). No plano humano (o Microcosmo), o temperamento melancólico (com predominância da atrabílis ou da bílis negra) é o último dos quatro temperamentos da medicina tradicional de Hipócrates; ele corresponde, analogicamente, à Idade de Ferro. Mas, por outro lado, podemos ver também aí o retorno Cíclico ao Princípio: a letra I representaria então o iod hebraico, a primeira letra do tetragrama (o Nome Divino).

Quanto ao altivo, mas tão patético grande Anjo feminino alado, ele é o símbolo, pelo menos de acordo com Bremont, do Gênio, ou do Regente do ciclo terrestre que chega ao fim. Ele tem sob os joelhos o Livro Cíclico já fechado e que acaba de traçar (com o compasso) o Círculo da Manifestação que ele preside. As chaves que pendem de sua cintura abrem e fecham o Ciclo (a maior corresponde, sem dúvida, ao desenvolvimento cíclico em seu conjunto; as quatro pequenas, às quatro Idades subordinadas: a Idade do Ouro, Idade da Prata, Idade do Bronze, Idade do Ferro).

Quanto ao pequeno Anjo, ele poderia simbolizar o Regente do Ciclo vindouro. E — característica capital — ele é do sexo masculino: o dominante ativo na origem de um Ciclo, e está sentado sobre um tapete, por sua vez colocado em cima de um disco de pedra: no vazio axial deste se inserirá o cubo da nova Roda Cósmica. Sobre os joelhos, o pequeno Anjo segura — com a mão esquerda — uma prancha de desenho. E contempla a Esfera perfeita, que representa o próximo Ciclo em sua origem.

Albrecht Dürer