Festugière — Hermetismo e Mística Pagã — Quadro da Mística Helenística
Outros espíritos são mais afetados pelas deficiências da ordem, ou seja, pela desordem das coisas aqui embaixo — desordens em nossas próprias vidas, sofrimentos físicos e morais de todos os tipos, que nos tornam sensíveis a toda a miséria, feiura e injustiça do mundo. O sentimento de tal deficiência nos leva a buscar uma Ordem verdadeira para admirá-la e nos curvarmos a ela, ou o Princípio de uma Ordem para nos unirmos a ela: por meio dessa contemplação, ou por meio dessa união, o homem escapará da desordem da qual sofre em sua existência particular.
Mas aqui podemos distinguir duas atitudes opostas que, por uma questão de simplicidade, chamaremos de atitude otimista e atitude pessimista.
I. Ou, embora admitindo que há desordem no mundo, restringimos essa desordem à região sublunar, ou seja, às coisas terrenas propriamente ditas. Somente essa parte é ruim, mas o mundo como um todo não é ruim. A sabedoria, portanto, consiste em escapar da desordem das coisas terrenas contemplando a ordem imutável do céu e, particularmente, a beleza e a regularidade dos movimentos planetários. Esse é o “misticismo astral” (Cumont). Essa contemplação em si pode assumir duas formas.
a) Às vezes, as estrelas serão consideradas como a própria realidade e a forma mais elevada do divino; e, como os movimentos dessas estrelas controlam todas as mudanças sublunares e, em particular, todos os eventos da vida humana, essas determinações serão consideradas uma regra justa e boa; por uma espécie de sublimação, o homem esquece o que é doloroso para ele sobre esse “vínculo das estrelas”, elevando-se ao plano delas, resignando-se aos seus desígnios; ele negligencia a desordem particular que o afeta, contemplando a ordem universal; e essa contemplação é ainda mais fácil para ele porque ele se volta, em adoração silenciosa, para a beleza das próprias estrelas (que são deuses) para entrar em comunhão com elas.
b) Em outros momentos, refletindo que as estrelas também obedecem ao mesmo Logos imanente no κόσμος, voltaremos pelo pensamento a esse Supremo Ordenador, conformaremos sua vontade à dele, certos de que todas as aparentes desordens escondem uma Ordem invisível, mas certa. Essa Razão universal não pode, sem dúvida, ser apreendida diretamente pela percepção sensível. Mas podemos conhecê-la por analogia. A visão do mundo serve como um passo em direção àquele que criou o mundo e mantém sua harmonia.
II. Ou vemos o mundo como inteiramente mau, o céu e a terra, por um lado, porque é material, por outro, porque a ordem imutável das estrelas que preside todo esse mundo material é, no que diz respeito ao homem, uma desordem, uma vez que nos faz sofrer, do que concluímos dessa desordem particular para uma desordem universal. A ordem e o Princípio da Ordem devem, portanto, ser buscados fora do mundo, em uma divindade que é superior a este mundo, não limitada pelo Heimarmene cósmico; a salvação, a liberação, será unir-se, por qualquer meio, a essa divindade.
Desse princípio geral deriva uma série de características comuns que também afetam (a) a forma e (h) o conteúdo dessas “místicas da salvação”.