ATTAN attan: si-mesmo, o “self” ; a alma, a substância
Dhammapada, o caminho do Dharma, Carmen Dragonetti, Editorial Sudamericana, colección oriente y occidente, Buenos Aires, 1967, 248 p., traducción directa del pali, introducción y notas de Carmen Dragonetti, sem ISBN. Contribuição e tradução de Antonio Carneiro das páginas 35 até 38
Podemos distinguir como usos principais da palavra attan (= sânscrito atman) os seguintes:
(a) 1. attan em muitas passagens é usado como pronome, seja demonstrativo ou indefinido, seja reflexivo. Este uso aparece em muitas estrofes do Dhammapada (cap. XII).
“Usado como termo filosófico, attan designa a alma individual (“Individualsseele”), tal como é concebida pelos jainas e outras escolas. Esta alma individual era considerada como uma monada espiritual (“Geistmonade”) eterna, inalterável, que, de acordo com sua natureza, é feliz e perfeita (ainda que suas qualidades sejam às vezes obscurecidas — “verdunkelt” — por causa de sua união com a matéria)” (Glasenapp, “Vedanta und Buddismus”, p.10). Nesse sentido attan não é outra coisa que o termo sânscrito atman, termo central na doutrina das Upanixades. Nos permitimos agregar às palavras de Glasenapp as seguintes características de atman segundo as Upanixades: o atman é uma substância permanente absoluta e transcendente, idêntica com o brahman, que é a alma universal, o Absoluto, o “ens realissimum”. O atman idêntico ao brahman, é por isso mesmo o fundamento e a última realidade de tudo, “a realidade da realidade” (satyasya satyam; Brihadaranyaka Up. II, 1.20). O homem que faz suas as doutrinas upanixádicas pode chegar a conhecer e realizar a identidade de seu atman com o brahman, momentaneamente ocultado por vários fatores, entre os que prima a ignorância (avidya).
Finalmente, o termo attan (sobretudo no composto negativo anattan) designa múltiplos textos palis, de um modo geral, o que em metafísica entende-se pela palavra substância, ou seja algo que existe “in se et per se” (Glasenapp, “Vedanta und Buddismus” , pp.10-11). este uso constitúi uma ampliação do sentido da palavra attan assinalado no parágrafo anterior.
(b) O Budismo não aceita o conceito de alma individual a que nos referimos antes. “A negação da alma diferencia o Buddhismo das religiões que disputaram na Índia a dominação dos espíritos” (Oltramane, L’Histoire II, p.215). Como disse Glasenapp (“Vedanta und Buddismus” , p.15), a negação de um atman imperecível constitui um traço essencial comum a todos os sistemas dogmáticos do Buddhismo Hinayan e do Buddhismo Mahayana.
Para o Budismo o indivíduo não é senão um conglomerado de fenômenos frágeis e fugazes, de combinações momentâneas e impermanentes, um conjunto de processos corporais, de sensações, percepções, volições, fantasias, pensamentos, sentimentos, atos de consciência, etc.: isto é tudo, fora disso não há nada. Não há no indivíduo nada constante, nenhuma unidade; não existe nele nada substancial, nada absoluto, nada permanente, nem atman em sentido upanixádico, nem alma no sentido da escolástica cristã.(Ver Oltramane, L’Histoire II, p.215; Masson-Oursel, Esquisse, p.92). Ver Khandha: elementos constitutivos do homem.
(c) A negação de uma alma individual não é senão um caso particular da tese geral do Buddhismo de que não existe nada substancial, permanente e absoluto, de que o único que existe são fenômenos transitórios, inconsistentes, formando entre si combinações sempre mutáveis, condicionando-se mutuamente, ou seja, um “fenomenismo radical”. Ver Sankhara: coisa condicionada, composta.
(d) Múltiplos textos ilustram a tese do Budismo de que não existe uma alma individual, nem em sentido upanixádico nem em sentido cristão, como temos dito.
No Samyutta III, 66 (Anattalakkanasuttam) Buda passa em revista a todos e cada um dos distintos componentes (khandha) do homem (rupa: corporeidade; vedana: sensação; sañña: percepção, etc.) e declara a respeito de cada um deles que são “anattan”, quer dizer, que nenhum deles constitui um attan ou seja um atman ou uma alma (Glasenapp, “Vedanta und Buddismus”, p.12). Agrega também o Buddha que todos esses componentes são anicca, impermanentes. E conclui manifestando que o homem não pode estimar como seu nenhum desses componentes, que não pode identificar-se com nenhum deles, e que não pode considerar a nenhum deles como seu attan (= atman, alma). No Sutta Nipata 1119 (Mogharajamanavapuccha) se lê: “considera ao mundo como algo vazio ... descartando a crença no attan, e assim superarás a morte”. O Milinda, p.57 (trad. Finot) no célebre diálogo entre Milinda e Nagasena chega às mesmas conclusões que os textos anteriormente citados e resume sua doutrina nos seguintes versos do Samyutta I, p.134 (Vajirasuttam): “ assim como emprega a palavra ‘carro’ quando suas partes foram reunidas, do mesmo modo se dá com o indivíduo, quando existem seus componentes: é uma convenção” .
Não só o Budismo nega a existência da alma, mas também considera como uma heresia a crença em um eu permanente e indestrutível (sakkayaditthi) (de la Vallée Pousin, Boudhisme, p.81; Oltramane, L’Histoire II, p.214). Assim mesmo, em múltiplos lugares os textos palis consideram dita crença como um dos samyojana, ou seja uma das ataduras que impedem a liberação (Digha III, p.216 e 234; Sangitisuttantam XIX e VII). Ver nota à estrofe 31.
(e) Numerosos textos ilustram assim mesmo a tese mais geral da negação de toda substância. Basta-nos mencionar o Dhammapada 277-279, que declara que todas as coisas em quanto que são condicionadas e conglomeradas de fatores da existência (sankara) são impermanentes e fonte de desgraça, e que todas as coisas (dhamma) são insubstanciais (anattan). Igual doutrina aparece no Anguttara I, p.286 (Uppadasuttam).
Dhammapada, o caminho do Dharma, Carmen Dragonetti, Editorial Sudamericana, colección oriente y occidente, Buenos Aires, 1967, 248 p., traducción directa del pali, introducción y notas de Carmen Dragonetti, sem ISBN. Contribuição e tradução de Antonio Carneiro das páginas 158 até 160. Capítulo VII — O si mesmo
Se considera-se a si mesmo (attan) como algo valioso, então que se proteja bem, que se vigie. Passe em vigia o sábio um dos três guardas da noite.
Que o sábio primeiro afirme-se a si mesmo (attan) naquilo que é conveniente, e não se contamine; e que logo aconselhe ao outro.
Se atua consigo mesmo (attan) como aconselha aos demais, se controlou-se a si mesmo, poderá então controlar os outros. Si mesmo (attan) é em verdade difícil de dominar .
160 Si mesmo se protege a si mesmo (attan). Qual outro poderá fazê-lo ? O que está bem auto-controlado consegue com isso uma proteção que não é fácil encontrar.
Como um diamante desfaz uma joia feita de pedra, assim se desfaz ao sábio o mal que é ele mesmo (attan) faz, dele (attan) nascido, nele (attan) originado.
O que atua mal constantemente se reduz a si mesmo (attan) ao estado em que quiser vê-lo inimigo, ao que a trepadeira reduz à árvore Sala.; “a Sal tree” (“Shorea robusta” ), segundo o PTS Dict.))
Fácil é fazer o mau e o pernicioso para si mesmo (attan); sumamente difícil, o bom e o saudável.
O néscio, que aceitando a equivocadas doutrinas critica a mensagem dos nobres arhants (arahant) que vivem conforme o dharma (dhamma), produz, como o bambu, frutos para sua própria (attan) destruição.
Si mesmo (attan) faz o mal, si mesmo se corrompe; si mesmo (attan) deixa de fazer o mal, si mesmo (attan) se purifica; pureza e corrupção existem para si mesmo (attan), ninguém pode purificar ao outro.
Não descuide seu próprio (attan) bem, pelo bem alheio por maior que seja; havendo captado o que é seu próprio (attan) bem, dedique-se a ele.