WEI WU WEI (WLL:68) – QUE SOU? (1)

O que olhas, dizes ou ouves é apenas uma interpretação da realidade em um meio dualista, e não tem nenhum ser-enquanto-tal reconhecível com a realidade, exceto em sua natureza que não pode ser olhada, dita ou ouvida.

dois: Boas novas, velho amigo, o melhor de sempre.

um: Excelente. Isto quer dizer?

dois: Sou realidade!

um: Tão óbvio quanto teu nariz, mas parabéns por perceber.

dois: Fantástico! Não tinha ideia de que a vida tinha tanta emoção! Quero dançar, ou pular por sobre a lua. Sinto como se uma névoa tivesse levantado, como se um fardo insuportável tivesse sido tirado dos meus ombros.

um: O eu-conceito é como ser amordaçado e amarrado a correntes, não é?

dois: Sim, de fato. Há muito que acreditava que a coisa não existia, mas agora vim a conhecer. Que diferença !

um: 'Acreditar' era apenas a pretensão usual; sabendo que ainda é intelectual; quando o experimentas, a gravidade não existe mais.

dois: Quando olho, quando falo, quando ouço, é realidade que olha, fala e ouve!

um: Quem mais poderia haver para olhar, falar e ouvir?

dois: Ninguém, mas não percebia. E o que olho, o que digo, o que ouço — é realidade!

um: Bobagem; não é nada desse tipo!

dois: Como assim? Então o que é?

um: O que olhas, dizes ou ouves é apenas uma interpretação da realidade em um meio dualista, e não tem nenhum ser-enquanto-tal reconhecível com a realidade, exceto em sua natureza que não pode ser olhada, dita ou ouvida.

dois: E ainda assim o 'eu' que olha, fala, ouve, é realidade? Parece ilógico.

um: A realidade nada sabe de lógica; nunca foi à escola.

dois: Mesmo assim. . . Mas é claro que deves estar certo; pensando nisso, o que olho, digo e ouço não pode ser realmente real, pode?

um: Não poderia. O que olhas, dizes e ouves consiste de objetos na consciência, interpretações da realidade em um contexto de tempo, espaço e dualidade.

dois: Sim, sim, mas por quê?

um: Porque, é claro, a realidade estando fora do tempo, sem espaço e não-dual — todos os quais são apenas conceitos — não pode ser percebida como é, por meio dessas limitações.

dois: Então como posso realmente ser percebido?

um: Não podes — a menos que seja como um símbolo algébrico, ou, talvez, como relação, como harmonia, por exemplo; és normalmente visto como um objeto na consciência, dualisticamente no tempo e espacialmente como forma.

dois: Minha realidade, meu ser-enquanto-tal, só podem ser inferidos?

um: A inferência é inevitável, mas seu ser-enquanto-tal é imperceptível.

dois: Como, então, me torno perceptível?

um: Por estar vestido; és tu mesmo invisível, apenas tuas vestes são vistas.

dois: Minhas vestes? Que vestes e de onde vêm?

um: Tuas vestes são qualidades projetadas sobre ti pelo pensamento dualista.

dois: Que tipo de qualidades?

um: Todos os tipos — tamanho, peso, forma, cor, caráter. . .

dois: Mas essas são todas as estimações, funções de seus opostos, pontos em uma escala de valores imaginários, limitados pelo alcance de nossos sentidos, desprovidos de realidade intrínseca!

um: Vês isso claramente; estás lendo o Sutra do Diamante – Assim ouvi. . . '

dois: E despojado dessas estimações dualísticas, arbitrárias e irreais, o que sou?

um: Um buraco no espaço.

dois: Como todo o resto?

um: Como tudo o mais sensorialmente perceptível. Como todo o universo, percebido por nossos sentidos e suas extensões mecânicas.

dois: O ser-enquanto-tal de nenhum objeto pode ser percebido?

um: Obviamente não.

dois: Mas o que são objetos, quando tudo é dito e feito?

um: Objetivações da realidade da única maneira que a realidade pode ser objetivada, isto é, pela abordagem dualística, compreendendo a consciência e seus objetos — todos nós somos.

dois: E a consciência inclui todos os objetos?

um: Tudo o que é cognoscível. Nada está fora da consciência, pois não há fora disso.

dois: Como sujeito, sou sempre real; como objeto, sou sempre relativo?

um: Relatividade significa realidade vista dualisticamente como observador e observado.

dois: De repente, parece simples!

um: Complicações surgem apenas em problemas falsos.

dois: Como é possível identificar-se com um objeto, quando se se conhece como sujeito?

um: Não é possível! Vens identificando-te a ti mesmo com um objeto em vez de te reconhecer como sendo também sujeito, isto é tudo.

dois: E no entanto estava eternamente dizendo 'eu', como todo mundo!

um: Este 'eu' era um objeto, nunca o sujeito real quando o usavas condicionalmente, eis o motivo.

dois: Então é isso; quando alguém compreende, percebe, sabe que se é eu-realidade. . . torna-se óbvio!

um: Tão óbvio como um nariz!