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Agora trataremos neste capítulo, se Deus quiser, das propriedades e dos graus vinculados ao amor. Que Deus facilite esta exposição!
Diremos que o amor é uma das afeições (ta‘alluqât) características da vontade (irâda). O amor só se liga a algo em potência ou virtual (ma‘dûm), não atualizado ou ainda não existente em um ser (ghayr mawjûd) no momento dessa afeição voluntária. O amante deseja a realização concreta (wujûd), ou seja, a atualização ou o advento (wuqû) da coisa amável. Deixei bem claro: a atualização, pois o amor pode se ligar a fazer desaparecer a existência efetiva (i‘dâm) do ser concreto (mawjûd) amável. No entanto, não é possível que coexistam a cessação da existência de um indivíduo e sua realização.
Os efeitos do amor efetivo (wâqi). Conclui-se que o caráter virtual (adam) do aspecto do ser concreto ao qual o amor deve se ligar pode se realizar sem que seja necessário falar da existência de uma irrealidade ou de uma cessação de existência (wajd al-i‘dâm), pois tal formulação decorre da ignorância .
Deixei bem claro que o amante deseja a realização concreta ou melhor a atualização da coisa amável porque, na verdade, o objeto do amor é apenas virtual ou não existente atualmente (ma‘dûm). De fato, o amante tem pelo amado uma atração voluntária que o obriga a se unir a um indivíduo determinado, seja ele quem for. Se esse indivíduo é daqueles que podem receber o beijo, amará beijá-lo; ou se pode se unir a ele pelo matrimônio, terá prazer em fazê-lo; se sente amizade por ele, lhe agradará sentar-se em sua companhia. Seu amor, portanto, só se ligará a um aspecto dessa pessoa não possuído atualmente. Imagina que seu amor permanece dependente desse indivíduo, mas não é assim, pois por seu comportamento deseja apenas encontrá-lo ou vê-lo. Se amasse a pessoa em si ou a existência em si do ser amado, ou seja, a pessoa em si ou sua realização, a afeição de amor não teria então nenhum proveito.
Se, no entanto, objetasses: amamos a companhia de uma pessoa, nos agrada beijá-la ou ter ternura por ela, intimidade em sua presença, ou ainda conversar com ela, e constatamos que tudo isso, ao se realizar, não faz cessar o amor, embora a afeição e a união sejam efetivos (wujûd). Não seria necessário concluir que a coisa amável pode muito bem não ser virtual ou inexistente?
Responderemos que estás enganado! Quando beijas uma pessoa por quem sentes amor, quando estás em sua companhia ou quando a conheces intimamente, o móvel do teu amor, nessa disposição, não é a posse que dela resulta, está apenas na permanência (dawâm) e na continuidade (istimrâr) que daí decorrem. Ora, permanência e continuidade estão em simples potência de ser (ma‘dûm) e não estão realmente atualizadas (fi al-wujûd), pois esse processo de atualização nunca encontra um fim. Consequentemente, o amor, durante o estado de união, só se liga a um aspecto virtual do amado, já que a união exige permanência (que nunca é realizável) .
O versículo corânico mais adequado neste caso é este: Ele os amará e eles O amarão (Alcorão V, 54) . O verbo amar está na terceira pessoa, aquela que designa o ausente (ghâ‘ib), e no futuro. De fato (segundo a interpretação que acabamos de dar), Deus só colocou a afeição de amor em relação com o ausente e com um ser amável desprovido de existência presente para o amante. Ora, o ausente é atualmente não existente na relação que possui com outro.