O "Céu" orienta a atenção para a ideia de uma marcha regular, e benéfica, do curso do mundo, tal como dada a ver pela alternância do dia e da noite, pelo ciclo das estações. Paralelamente, as antigas divindades ctônicas se fundem numa entidade única, a "Terra", que serve de parceiro a essa eficiência reguladora encarnada pelo Céu.
Separa-se na série dos 64 hexagramas que compõem o livro, os dois primeiros de todos os outros. Na análise da mutação incessante que constitui a realidade do mundo e da vida, as duas primeiras figuras representam aquilo que "preside" a mutação e que, como tal, "não pode mudar":
As 62 outras figuras, nascidas do cruzamento de seus traços, constituem, em relação à série, variações que decorrem por interação, como é o caso de tantas figuras particulares, dessa relação inicial. Assim, se cada um dos outros hexagramas representa um "momento" diferente da transformação das coisas, os dois primeiros são independentes da particularidade do momento, participam de cada etapa da transformação e são, portanto, coextensivos a todo o processo.
Os dois primeiros hexagramas não representam, portanto, outra coisa que os 62 que vêm depois, evocam ambos a mesma realidade evocada por todos os — a única realidade que existe: a da mutação —, mas de um outro ponto de vista: o real é considerado, por um lado, sob o ângulo de seus fatores constitutivos (Qian e Kun), que esclarecem o caráter de constância da mutação; de outro (as outras figuras), sob o ângulo da operação mesma da mutação, tal como não cessa de provir desses fatores, enquanto modificação contínua.
Segundo os termos neoconfucianos, os dois primeiros hexagramas informam sobre o "ser constitutivo" da mutação (seu ti) e os outros 62 sobre seu "funcionamento" (seu yong).
Essas imagens vão no mesmo sentido: Qian e Kun, as duas primeiras figuras, são como dois "picos", erguidos frente a frente, de onde procede o "caminho da mutação"; ou como os dois "batentes" (da mesma porta) que não cessam de abrir para a transformação das coisas.
Mas qual é, então, a natureza dessa relação inicial da qual emana em seguida — com tanta facilidade — toda a explicação das coisas?
Do ponto de vista da "materialidade" que constitui essas duas realidades, essa relação corresponde àquela do yin e do yang: o yang é "firme" e "sólido", o yin é "macio" e "maleável".
Do ponto de vista da capacidade em ação, finalmente, aquela que os dois hexagramas colocam mais particularmente em evidência, ela corresponde ao "desdobramento" ou à "condensação" das energias:
Ao passo que a energia yin tende à concentração e leva constantemente à atualização material dos existentes, a energia yang, atravessando esta última de ponta a ponta, desdobra-a e a anima, orientando-a positivamente.
É próprio da energia yang, que o curso incessante do Céu encarna, sua capacidade de constante "iniciativa" que lhe permite "ir sempre em frente" (jian);
A capacidade da energia yin, no sentido inverso, aquela que a Terra simboliza, é se tornar continuamente disponível para essa penetração benéfica (com o risco, se não o fizer, de se reificar e se tornar inerte): seu mérito próprio é obedecer e "se conformar" (shuh).
Resta saber se é legítimo "isolar" assim, para "os realçar", esses dois termos antitéticos, agora que se vê com bastante clareza que tudo, na realidade, só existe sempre no estado de mistura entre os dois: se não existe jamais yin sem yang nem yang sem yin e, do mesmo modo, não temos nunca "céu sem terra" nem "terra sem céu", com que direito podemos conceber a realidade a partir dessas duas figuras iniciais das quais uma é "puramente yang" (seis traços plenos) e a outra puramente yin (seis traços partidos) ?
Decerto, o yin e o yang jamais "se deixam um ao outro" nem "triunfam um sobre o outro", mas o fato de que não podem existir assim um sem o outro não significa que cada um deles não possua sua identidade própria.
Se são inseparáveis, no sentido em que um deixaria de ser sem o outro, são separáveis, em compensação, enquanto fatores constitutivos e enquanto propriedades (em sua "natureza" e em seu "efeito": enquanto zhuan.
Para realçar a relação inicial, bipolar, de que depende todo o real: os dois primeiros hexagramas não tratam diretamente do céu e da terra (mesmo que remetam a eles simbolicamente), nem do yang e do yin (mesmo que sejam compostos, um de seis traços yang, o outro de seis traços yin), mas das duas capacidades encarnadas por um e outro pólo (a aptidão de ir sempre em frente, como constante iniciativa, e aquela de seguir e se conformar). É nisso que eles se distinguem radicalmente de todos os outros hexagramas, que remetem diretamente à natureza das coisas e às atividades humanas.
É só do ponto de vista da capacidade em ação (a do de) que o homem (o Sábio) pode se comunicar com a lógica inerente ao grande processo do real: este se desenrola, com efeito, de modo imanente e, portanto, independentemente do Sábio, e é só porque ele mesmo faz a experiência, através da sua conduta, daquilo que serve, no yin/yang, para promover o real, que ele pode aceder àquilo que funda o curso do mundo (análogo àquilo que o curso de sua própria conduta realça).
O céu não é totalmente yang, mas a operação que lhe é própria o é totalmente: se, portanto, enquanto realidade, tudo só existe sempre a título de mistura, no nível das capacidades postas em ação, em compensação, estamos aptos a perceber uma pura oposição; e, portanto, no direito de representar frente a frente, como nos dois primeiros hexagramas, "puro" yin e "puro" yang.