DDAG
Mas para que serve, se tudo já está sempre perfeito? Essa é uma segunda resposta ao aparente paradoxo da evidência do Si: o Senhor, de fato, é um fato, um "dado" de toda experiência, por mais banal que seja. Não se pode, portanto, construí-lo, nem realizá-lo, nem pensá-lo, nem visualizá-lo, nem prová-lo. Em contrapartida, pode-se aniquilar a crença de que há algo a fazer ou a aperfeiçoar. Esse é o sentido do caminho do conhecimento que o mestre de Srinagar ensina em seguida. A "não-via" é, portanto, uma via de conhecimento, na medida em que se baseia em argumentos e em uma experiência. Simplesmente, esse meio consiste em mostrar que não há meio. Mas isso não é destrutivo, pois o Si é tudo: luz e véus, sem diferença. Ou melhor, as diferenças, os graus, as etapas, os estados, as nuances, são eles próprios essa manifestação que é o Senhor. Pois o Senhor não é uma luz inerte, mas uma clareza livre, de uma liberdade tal que envolve seu oposto. É a luz que, sem deixar de ser luz, se faz sombra.
O que domina aqui é, portanto, uma consciência cada vez mais abrangente, que chega a englobar a ignorância e todos os tipos de imperfeições concebíveis. A ferramenta dessa inclusão sem limites é a razão (sattarka), iluminada pela palavra do mestre, Verbo do Senhor:
"Munidos do machado que despedaça todo o tecido das restrições (impostas nos tratados), não lhes resta outra obra a realizar senão a de conceder a Graça." (TĀ II, 38)
Esse é um tema clássico da muito célebre Bhagavad Gita, aliás comentada por Abhinavagupta: o Senhor ou o homem deificado não fazem nada e fazem tudo. Essa identificação com a fonte de toda eficiência é a mola mestra secreta de toda atividade apostólica, poderíamos dizer. Pois o Shivaísmo, longe de ser uma gnose reclusa e distante das preocupações das massas, só faz sentido em relação a essa atividade universal da doação da verdade. O homem deificado participa, em sua encarnação, da concessão da Graça, que é a finalidade de toda a atividade divina, embora em outras passagens Abhinavagupta afirme que tudo isso não passa de um jogo. Mas os dois temas, o da Graça e o do jogo, se unem em sua gratuidade comum. O Senhor, como o homem deificado, age sem necessidade de agir (nirapeksā). Ele não age para preencher uma falta, mas para deixar sua natureza fluir em si mesmo, porque o Senhor é um fluxo, um dinamismo e não um céu sombrio.