discípulo

O discípulo torna-se mestre no momento em que vive por ele mesmo o ensinamento recebido. Não se trata de transmitir nem de inovar, como na cultura, mas de reativar o sentido. [Riffard]


Os comentaristas sabem que o pitagorismo coloca em oposição dois tipos de discípulos: exotéricos e esotéricos. O difícil é saber onde dá-se a separação, determinar em que ponto o esotérico se inicia. Ora, uma grande surpresa aguarda aquele que faz do esoterismo a ideia de uma doutrina da seleção, em vez de ver no esoterismo o ensinamento de uma escolha. Que dizem os textos, em particular Jâmblico (Vida de Pitágoras, 152, 448) e ‘Hipólito’ (Philosophoumena, I, 2)? ‘Hipólito’: “Ele (Pitágoras) distinguiu entre seus discípulos os que chamava ‘exotéricos’ e aqueles que chamava ‘esotéricos’”. Portanto, os exotéricos não eram absolutamente os não-pitagóricos, os profanos, os de fora, mas discípulos de Pitágoras, ‘políticos’ mais precisamente, pessoas que continuavam a ter uma atividade banal de cidadão paralela à sua vida ascética. O vocabulário prova que o esoterismo não se ocupa do exoterismo e tampouco o rejeita. Parece que se pode distinguir várias categorias de discípulos pitagóricos, a saber: os candidatos (submetidos às provas de seleção à base de fisiognomonia), os postulantes (preparados durante três anos), os ouvintes (com cinco anos de noviciado), os matemáticos (que estudam as ciências abstratas), os físicos (que estudam as ciências concretas). [Riffard]


O “estudante competente” (adhikarin), ao iniciar seu estudo de Vedanta, deve ter uma atitude não de crítica ou de curiosidade, mas uma absoluta (sraddha) em que ele poderá descobrir a verdade através das fórmulas do Vedanta prestes a serem-lhe comunicadas.

Além disso, tem que possuir um fervoroso desejo de libertar-se das cargas da vida mundana, uma aspiração firme e sincera de livrar-se da escravidão de sua existência como indivíduo preso ao vórtice da ignorância. Isto é denominado mumuksutva ou moksa-iccha: “o desejo de liberação”. Assim como um homem que carrega sobre sua cabeça um feixe de lenha em chamas correrá a um lago para livrar-se do fogo, também o adhikarin, queimado pelas dores cruciantes do fogo da vida no mundo — um mundo de futilidade enganadora, de nascimentos e mortes — recorrerá a um guru versado nos Veda que, tendo já alcançado o ideal do Vedanta, vive sereno na ininterrupta consciência da essência do ser imperecível. O adhikarin deve ir ao seu guru levando presentes em suas mãos, pronto para servir e preparado para obedecer de todos os modos.

O “estudante competente” é um aspirante que, havendo estudado os quatro Veda e seus “membros” (Vedanga) de acordo com o método prescrito, já tem uma compreensão geral do saber védico. Precisa também purificar-se de todas as máculas provenientes desta existência ou das anteriores através da abstenção de qualquer ato cujo propósito atenda a desejos mundanos e seja causa de dor para outras criaturas; e realizar fielmente, dia após dia, as apropriadas devoções e os ritos obrigatórios especiais para ocasiões como, por exemplo, o nascimento de uma criança. Além disso, é mister que pratique determinadas austeridades que levem à expiação do pecado, e as tradicionais meditações que têm por objetivo a concentração mental. Enquanto os “ritos” penitenciais — cotidianos e específicos — servem para purificar a mente, as “meditações” visam levá-la a um estado de concentração em “um só ponto”.

Segundo a crença tradicional, a realização desses ritos e devoções prescritos levará o discípulo, após a morte, ao “céu dos antepassados” (pitrloka) ou à “esfera da verdade” (satya-loka) superior. Mas, tais resultados agradáveis não são considerados importantes — nem mesmo desejáveis — pelo adepto do Vedanta, são meros produtos acessórios da disciplina, estâncias de passagem ao longo do caminho, que já não lhe interessam. Estas ainda estão dentro do mundo do nascimento e representam tão só uma continuação da roda da existência (samsara), não obstante seja um episódio muito feliz chegando a durar, dizem, incontáveis milênios. Mais do que a bem-aventurança celestial, o que aspira o vedantino é ver através e além do caráter ilusório de toda existência, seja ela qual for, tanto no denso plano terrestre quanto nas esferas mais altas. Ele sacrificou por completo toda ideia de gozar os frutos de suas boas obras; toda recompensa atribuída como resultado de sua devoção perfeita ele entrega à divindade pessoal a quem serve. Pois sabe que não é ele quem atua mas a Pessoa espiritual — o morador onipresente que o habita, assim como a todas as coisas — a quem ele, como devoto, está totalmente dedicado: o deus que é o Eu (atman) dentro de seu coração.

Discriminação, renúncia, os “seis tesouros” e o intenso anseio de liberação (mumuksutva) são precisamente os meios pelos quais o filósofo indiano atinge a meta da compreensão. O neófito deve ser competente para poder dominá-los. Sua mente e coração necessitam estar purificados pelas austeridades e rituais preliminares das práticas religiosas ortodoxas de sua comunidade. Deve estar suficientemente instruído nas sagradas escrituras, e ser capaz de conquistar estes “meios necessários” para transcender a ilusão. “Tal aspirante — está escrito — é um discípulo qualificado.” [Zimmer]

Pierre Riffard