Wasserstrom: Eliade sobre Goethe

Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, “Religion after Religion”

Eliade, assim como Corbin, nutria uma paixão pela Alemanha e suas coisas nos anos 20 e 30. Naquela época Goethe tornou-se um de seus marcos pessoais de grandiosidade. ‘(Voltaire) encorajou meus sonhos de um espírito universal… (mas quando) descobri outros autores universais, especialmente Papini e, mais tarde, Goethe e Leonardo da Vinci, parei de lê-lo’. No final de sua carreira ele ainda situava Goethe no panteão cultural: ‘Devemos levar muito a sério estas obras — da mesma forma que levamos a sério o Antigo Testamento, as tragédias gregas, ou Dante, Shakespeare e Goethe’. Eliade comparou-se a Goethe em muitas outras ocasiões. Ele deixou claro, por exemplo, que ‘as penas do jovem Goethe’ eram, para usar um eliadismo favorito, ‘paradigmáticas’ de iniciação; ele cita Dichtung und Wahrheit como evidência de que Goethe passou por uma prova xamânica de transformação. No final de sua vida ele observou: ‘Pareço-ME, ou quero parecer-ME, com Hasdeu, Cantemir e com Goethe’.

Claramente, portanto, Eliade compreendeu que seu papel na história era muito grande, diretamente calcado no do ‘Goethe universal’. Por isso ele escreveu ‘um grande destino’, para falar para a nova geração inteira e ‘meu destino, considerando-se ao mesmo tempo um ‘bucarestiano autêntico’, e um ‘homem universal’. Isto foi ainda mais claramente estabelecido muito mais tarde em sua vida: ‘Como Gide já observou corretamente, Goethe era altamente consciente de uma missão para conduzir uma vida que pudesse ser exemplar para o resto da humanidade. Em tudo o que fez ele estava tentando criar um exemplo. …Como escreveu Paul Valéry em 1932: Ele representa para nós, cavalheiros da raça humana, uma de nossas melhores tentativas de nos tornarmos como os deuses.’ Em 1959, Eliade declarou simplesmente: ‘Como sempre, vejo o destino de Goethe como o meu próprio’.

Qual era aquele destino goetheano? Em 1973 ele observou que ‘Goethe melhora a cada nova leitura. Reli sem parar Dichtung und Wahrheit.’ Logo depois dessa leitura Eliade refletiu sobre Gespräche mit Goethe, em que Goethe especula sobre Deus, que destrói e recria o cosmos. Esta Naturphilosophie remitologizadora parece ser a chave de sua devoção por Goethe. Eliade, portanto, atribui a Goethe suas afirmações metafísicas mais fundamentais, ou seja, que o cosmos opera sob o princípio da Natureza, cujo Mistério consiste em um ritmo de morte e renascimento. O alquimista ‘coopera com a Natureza’, age ao lado de Deus neste trabalho.

As propensões ‘faustianas’ e mesmo demoníacas do homem perfeito, um tema caro ao demiurgo Goethe, foram desta maneira compreendidas como praticamente sem limites. Goethe falou de uma ‘demonologia empírica’. Eliade escreveu estudos ‘empíricos’ de demonologia a partir de seu texto ‘Notas sobre demonologia’ (1939), em Ocultismo, Magia e Modas Culturais. O faustiniamismo de Eliade então fundiu-se com um ‘diabolismo’ similarmente goetheano e ficou situado programática e permanentemente no cerne de sua metafísica: ‘Não é por acaso que Goethe buscou durante toda a sua vida o verdadeiro lugar de Mefistófeles, a perspectiva em que o Demônio que negava a vida pudesse mostrar-se paradoxalmente como seu aliado mais valioso e incansável’. Em novembro de 1968 Eliade novamente voltou a Goethe, confidenciando a seu diário que, sempre que ele se sentia cansado, doente, deprimido (e como não, visto que não sei ainda de que doença estou sofrendo?), lia Gespräche mit Goethe, de Eckermann:

Então ME sinto acalmado e confortado. O mistério dessa atração total por Goethe continua a fascinar-ME. Um pensamento ou uma página dele, qualquer trabalho relacionado ao mesmo, projeta-ME em um universo vigoroso, luminoso, familiar. Sinto-ME como se gritasse: este é o meu mundo, esta é a razão por que fui criado, e assim por diante.

Eventualmente, lia Dichtung und Wahrheit, até quase o final de sua vida e ficava surpreso pelo exasperante egocentrismo de meu querido Goethe’.

Para Goethe, o símbolo era ‘uma revelação viva, instantânea (lebendigaugenblickliche) do inescrutável’. O símbolo goetheano de revelação era então compartilhado por Corbin, Scholem e Eliade. Corbin usou ambos os termos perenes de Eliade para revelação, ‘hierofania’ e ‘teofania’. Explicitamente citou Eliade a respeito deste uso. O próprio tratamento definitivo de Corbin foi publicado na parte 2 de IMAGINAÇÃO CRIATIVA NO SUFISMO DE IBN ARABI, especialmente em ‘Criação como teofania’ e ‘Imaginação teofânica e a criatividade do coração’. Para Corbin, escritura e terra, revelação e criação eram em si mesmas teofanias. O símbolo de Eliade similarmente era uma espécie de portal das estrelas, um ponto de acesso abrindo-se para o infinito; o ponto de revelação, disponível onde quer que sejam encontrados símbolos. Para os historiadores das religiões, a força teofânica do símbolo era — como Goethe já lhes tinha mostrado com gênio — insuperável.