Iatromantes (ICEE)

Ioan Couliano — Experiências do Êxtase (CoulianoPsychanodia)

Os Iatromantes

Várias categorias de experiências de êxtase, na Grécia antes do século V. Uma delas é o dionisismo, que continua a tradição mítica-ritual antiga, relativa às divindades femininas como Hera e Artemísia. O dionisismo pode ser chamado “culto extático” típico, que pressupões um grupo formado de indivíduos possuídos de modo involuntário (pela “mania” que emana do deus). Os atores do ritual são em grande parte mulheres, cujas manifestações principais são a vagabundagem (“nas montanhas”, “oreibasia”), o consumo de bebidas e a dança. A cena central do ritual, que os participantes efetuam em um estado de insensibilidade e de inconsciência, é a laceração de uma vítima animal (ou mesma humana) e a ingestão, homofágica ou não, de sua carne.

Erwin Rohde acreditava que o dionisismo era de origem trácia, representando uma degenerescência em relação ao apolinismo da Grécia. As generalizações de Nietzsche e Rhode levaram a desconfiança da dicotomia apolíneo e dionisíaco. Há uma categoria de extáticos gregos, cujas manifestações estão em contraste com a fenomenologia do dionisismo, e podem ser definidos como personagens em relação com o deu Apolo da Hiperbórea. Segundo E.R. Dodds os representantes desta classe apresentam fortes analogias com os xamãs do centro e nordeste da Ásia.

I.M. Lewis considera que o êxtase implica sempre “possessão” de espíritos ou da parte de espíritos; traçou uma tipologia muito funcional dos fenômenos de possessão, entre os quais o xamanismo:

O dionisismo na Grécia entra no primeiro caso, aquele dos cultos extáticos. Couliano opta por uma tentativa de estabelecer uma tipologia do “iatromante”, do “curandeiro” (“medicine-man”) grego, e responder se é possível chamá-lo ou não de “xamã”.

Necessária revisão das perspectivas de exame do problema do extatismo grego:

  • indo-europeias
  • histórico-culturais
  • mediterrâneas

Investigação da terceira, “comparatismo mediterrâneo”. Semelhança entre nebi’im judeus e bacantes. A tradição dos nebi’im, termo traduzido pela LXX como profeta, seriam grupos reunindo os “filhos dos profetas”, dedicados a exercícios e à espécie de ginástica religiosa própria a provocar o êxtase coletivo e as manifestações desordenadas e estranhas que acompanham o transe. Para designar este frenesi, a língua hebraica usa uma palavra que significa “fazer o nabi”, que se identifica com a palavra grega que significa “fazer o bacante”.

Os judeus conheceram esta categoria de iatromantes dentre os quais os mais célebres são Elias e seu discípulo Elishah. A estrutura destes personagens é “pitagórica” e o profeta Elias levado aos céus em um carro puxado por cavalos de fogo, se assemelha estranhamente a Parmenides que também viajou sobre um carro solar além das portas do Dia e da Noite.


A classe dos iatromantes se compõe exclusivamente de homens, isolados, em relação com o deus Apolo da Hiperbórea.

Os iatromantes são médicos (iatroi) e adivinhadores (manteis), purificadores (kathartes) e taumaturgos. Capazes de longas viagens no espaço, “em espírito”, mas também no corpo. Não usam substâncias alucinógenas, embora duvidoso. São vítimas do que a medicina moderna chamaria “síndrome de abstinência”, evitando comer e relações sexuais.

Uma passagem em Clemente de Alexandria reúne os nomes de alguns desses personagens: Pitagoras, Abaris o Hiperbóreo, Aristeas de Proconeso, Epimênedes de Creta, Zoroastro o Meda, Empédocles, Formion de Esparta, e outros em especial Sócrates o Ateniense. Desta lista se deve excluir Sócrates e Zoroastro, como uma ficção helenística. Assim, teríamos uma lista correta se incluirmos os nomes de Bakis, Cleonimo de Atenas, Hermotimo de Clazomeno e Leonimo de Crotone.

Couliano apresenta brevemente os nomes da lista.

O apelativo entheoi que se dá frequentemente aos iatromantes não lhes convêm nem às Sibilas, aos dionisíacos e aos maníacos sob a influência de Ares. Não se pode afirmar que todos estejam ligados a religião de Dioniso. O tipo ideal do iatromante se compõe dos seguintes traços: abstinência, previsão, taumaturgia, ubiquidade, purificações, anamnese das vidas precedentes, operações iatromágicas, viagens extáticas ou translações no espaço. Couliano confirma estes traços percorrendo relatos da vida dos iatromantes citados anteriormente.


Couliano busca enfim responder à pergunta sobre o xamanismo ou não dos iatromantes.

Eles parecem “possuídos” pelo deus Apolo: eles são phoiboleptoi (ou phoibolamptoi), cujo traço principal é a viagem da alma. Estes arrebatamentos não correspondem à possessão xamânica. O xamã é mestre possuído que seja consegue dominar o processo.

E.R. Dodds, representante da teoria “xamânica”, explica a aparição de nossos personagens na Grécia, pelo século II, por dois elementos distintos: elemento autóctone = a figura do theios aner; elemento xamânico, proveniente do contato com os citas.

Couliano defende que a denominação de xamã não se aplica ao iatromante grego.


Os grandes mitos escatológicos de Platão brotam sobre o solo fértil das antigas crenças relativas aos iatromantes. É difícil saber até onde Platão transforma os dados tradicionais e até ele inova. A questão da localização do paraíso no ensinamento de Platão. Breve notícia da cosmologia platônica.