Na “ciência do ritmo”, a qual comporta múltiplas aplicações, se baseiam em definitivo todos os meios que podem ser colocados em ação para estabelecermos comunicação com os estados superiores. (Guénon)


As línguas mais antigas, tardiamente chegadas a nós graças à escrita, datam aproximadamente do IV ou do V milênio. Para remontar mais além temos apenas o testemunho aleatório de lendas conservadas em textos sagrados, notadamente os dos povos da recitação e das religiões do livro, Índia, Israel e Islão. A palavra é aí apresentada como uma revelação divina, à qual o ritmo está intimamente ligado; foi esse ritmo que transmitiu aos homens a vida, de que são uma manifestação, toda forma resultando da repetição de um mesmo gesto.

Uma tradição islâmica nos conta que no paraíso de Adão falava-se em versos, numa linguagem ritmada que havia sido até então o privilégio dos deuses, dos anjos e de seus símbolos angélicos “os pássaros”. Essa lenda é a forma tardia que, depois de uma longa evolução, havia tomado uma tradição muito mais antiga, que nos foi conservada pelos Vedas. A língua primordial e poética era aí chamada “siríaca” ou solar, isto é, a língua de uma Síria original e lendária que os textos védicos situam simbolicamente no polo em que também colocavam o lar primitivo de seus ancestrais arianos, quando no correr do último período interglacial este país gozava de um clima temperado. O centro circumpolar da tradição hindu tornou-se na mitologia grega a Tula hiperboreal e, entre os latinos, a última Thula, ilha situada nos confins árticos do mundo. (Existem ainda cidades com o nome Tula na Sibéria, Lapônia, Irlanda e Inslândia, Escócia e América do Norte. Tula, em sânscrito, corresponde à Balança, signo zodiacal e antiga denominação da Grande e de Pequena Ursa, constelação polar. Cf. B. G. Tilak, The Artic Home in the Vedas, Poona, 1925.)

Nesses antigos tempos, o ritmo poético facilitava não apenas a memorização, a recitação e a transmissão dos textos sagrados, mas determinava no recitante uma harmonização dos elementos inconscientes e descoordenados do ser, graças às vibrações sincrónicas que se propagavam nos prolongamentos psíquicos e espirituais de sua individualidade. Pois os ritmos, que formam a ossatura numerosa da natureza inteira, de sua mais íntima substância até seus mais longínquos limites, recolocavam o homem em uníssono nesta harmonia cósmica a qual ele se tornava capaz de sentir e compreender. Seus atos poderiam assim escapar à instantaneidade, prolongando suas consequências naturais e imprevisíveis em todas as direções do espaço e do tempo.

Mas voltemos ao nosso modesto horizonte do cotidiano, para constatar que o ritmo comanda a execução de todo trabalho. Torna-o mais fácil, transferindo o esforço que reclama para a carga do inconsciente e do hábito, graças a uma respiração escandida pelos cânticos do ofício. Estes cânticos desenvolveram-se ao mesmo tempo que as diferentes técnicas artesanais, notadamente graças a uma codificação precisa dos gestos exigidos para o êxito de uma obra-prima e pelo conhecimento de uma “manobra”, apta a assegurar o cumprimento de uma tarefa difícil, sob pena de acidente ou de erro. Trabalha-se sempre bem, quando se está exatamente instalado para fazê-lo. A atitude correta é também necessária, não só para o trabalho como para o rito, e podemos julgar um artesão por seus gestos, já que o instrumento do qual se serve nada mais faz além de prolongar o esforço de seu cérebro e de sua mão. Para compreender essa necessidade, seria necessário ter assistido aos cânticos coletivos, como por exemplo, há alguns anos, ao ha-han arquejante de uma equipe de colocadores de trilhos, cujos gestos eram regulados, durante a perigosa manobra, como um balé obediente ao sopro de vinte homens respirando como um único.

Foram as técnicas mais antigas, como as do cesteiro, do oleiro, do tecelão, do ferreiro, do lavrador, que permitiram o desenvolvimento da linguagem. O vocabulário de toda língua é originalmente artesanal, já que gestual, e ainda hoje, através das palavras mais fundamentais, podem-se descobrir os gestos desaparecidos dos antigos artesãos. Conseguiram distinguir modos de atividade diferentes, cujas metáforas grosseiras servem hoje para expressar os mais sutis matizes do pensamento. E, se podemos legitimamente supor que na origem existiram tantas línguas quantos eram os clãs e as famílias, só as exigências do aprendizado e da colaboração artesanal entre diferentes grupos ou tribos permitiram a generalização de termos técnicos e o aparecimento de uma língua comum compreendida por todos. (Benoist)