Francisco García Bazán — ORÁCULOS CALDEUS
1. Há uma realidade inteligível que deves compreender pela flor do intelecto, pois se inclinas para ela teu intelecto e tratas de concebê-la como um objeto determinado, não a compreenderás, já que é como a potência de uma espada resplandecente que ilumina com cortes intelectivos. Não se deve, portanto, conceber a este Inteligível com veemência, senão pela chama ampliada de um intelecto estendido que tudo o mede, salvo a este Inteligível. Por isso, o que se necessita não é concebê-lo com obstinação, senão, apartando o olhar puro de tua alma, tender para o Inteligível um intelecto vazio, até que aprendas a conhecer o Inteligível, posto que está fora do Intelecto1.
2. Equipado de corpo inteiro com a força de uma luz muito viva e armado em intelecto e alma com uma espada de três pontas, arroja em tua inteligência o signo2 total da tríada e não frequentes os canais de fogo dispersamente, senão com concentração.3
3. … o Pai se subtraiu, sem encerrar em sua Potência intelectiva o Fogo próprio.4
4. Pois a Potência está com Ele, mas o Intelecto procede de Ele.5
5. … Pois o Primeiro, Fogo transcendente, não encerra sua Potência na matéria por suas operações, senão por causa do Intelecto. Porque o artesão do cosmo ígneo é um intelecto de Intelecto.
6. Pois como uma membrana intelectiva ajustada por debaixo, (Hecate) separa a um fogo primeiro e a um fogo segundo que anseiam misturar-se.
7. Pois o Pai concluiu todas as coisas e as entregou ao Intelecto segundo, ao que vós outros chamais primeiro, na medida em que pertenceis à raça humana.
8. … Junto a Ele reside a díada, posto que ela tem duas funções, reter os inteligíveis no Intelecto, mas introduzir a sensação nos mundos.
9.
10. …Todas as coisas enquanto engendradas pertencem a um Fogo único.
O fragmento, transmitido por Damascio, se refere ao que é pura e estritamente inteligível, que não é intrinsecamente Deus, senão o que pode conhecer-se ou auto-manifestar-se potencialmente com Deus. Auto-experiência do divino, que é indiscriminação total prévia ao Intelecto. Isto contém também a totalidade do conhecimento, mas com discriminação de ideias. O inteligível, então, não é conhecimento propriamente dito, posto que não é atividade intelectual, ao carecer de substrato inteligível determinado. É pura imanência divina. O conhecer sem tensões cognoscitivas registra para lelos em textos gnósticos de Nag-Hammadi., como o Alógenes e, pelo contrário, o significado em aparência equivalente da corrente filosófica sobre o Um/Bem “além do conhecimento”, que desemboca em Plotino, corre por outros carris teóricos. ↩
synthema, símbolo ritual, físico e ontológico. ↩
O oráculo dirigido ao iniciado anuncia que, purificado do corpo etéreo e concentrados alma e intelecto em torno a sua constituição trial, é possível a manifestação do divino, sob a característica de um retorno luminoso, graças à potência da tríada plena, que se mantém invisível nos símbolos sagrados. ↩
Se afirma sem equívocos o caráter transcendente do Pai ou Deus supremo (= Fogo, ver fr. 5), que se diferencia de sua Potência intelectiva. As confirmações caldaicas são múltiplas. Esta distinção, além do mais, aparece com anterioridade entre os gnóstico como Bythos/Syge. ↩
Se confirma a doutrina antecipada no anterior Oráculo. A potência, a possibilidade universal dos seres, permanece junto a Deus, como sua concepção permanente e Silêncio, que precede ao Verbo sagrado. O Intelecto, no entanto, já não é auto-concepção divina, mas rebento intelectual. Nesta instância processional a tríada Pai, Potência, Intelecto se mostra em sentido derivativo e vertical e a tríada simultânea e horizontal, que posteriormente se examinará (fr. 23), explicará a auto-formação das etapas da processão desde sua primeira aparição na potência emanativa do Pai escondido. A “Potência tripla” (tridynamis) do já aludido Anônimo de Bruce delata uma mentalidade similar. A metáfora generativa da semente remonta já ao filósofo Espeusipo e prossegue uma interessante trajetória entre platônicos pitagorizantes, gnósticos e caldeus. ↩