TRADIÇÃO — CALDEIA

Pierre Gordon: IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE

As mais antigas cosmogonias caldaicas, aquela de Nippur, falam da «montanha do céu e da terra» sobre a qual Anou criou os deuses Anunnaki, os quais, no início, «ignoravam o nome dos cereais, dos canais de irrigação, das águas paradas, do arado»: somos assim reportados a uma época onde a teocracia não conhecia a agricultura, ou seja, ao paleolítico. — Outra cosmogonia caldaica menciona, como princípio das coisas, a aparição súbita, fora da água, da apsu, ou ab-zu, quer dizer da casa do saber. Esta terra pura ou ilha santa se hipostasiou pouco a pouco em uma divindade de primeiro plano, Ea (e-a = casa da água), idêntica a Enki (= Senhor da Terra), ou seja ao Rei do Mundo (Ea, parece ter possuído esta dignidade anteriormente a Anou; foi o equivalente de Ouranos e de Varuna). Este personagem, que se sacralizou revestindo um despojo de peixe, é o famoso Oannes (Oannes transpõe foneticamente Ea-Khan = Ea o peixe, em acádio). — O outro grande deus caldeu, Enlil (= o senhor do sopro, ou do espírito) é a hipóstase da Grande Montanha: leva oficialmente o título de shadu rabu (=Grande Monte); seu templo em Nippur será sempre chamado E-Kur (= casa da Montanha).

Por volta do início do primeiro milênio antes da era cristã, os babilônios e os assírios tinham alcançado por amplificação progressiva dos dados iniciais, a seguinte concepção: no centro se situava uma alta ilha-montanha circular, representando a Terra; ela era cercada pelo oceano terrestre, que bordava uma vasta muralha circular (supku): esta muralha suportava o céu. Elas se encontrava reforçada, tanto a leste quanto a oeste, por duas elevações, entre as quais uma porta dava passagem ao sol, em sua aurora e seu crepúsculo. A cúpula do céu se apoiava sobre estas quatro montanhas e sobre o muro circular. Ela era cercada pelo oceano celeste ou pelas águas do alto, que comunicavam com o oceano inferior pelas duas portas do céu. Na abóbada celeste, as estrelas formavam por suas diversas composições, misteriosos signos gráficos, exprimindo com exatidão a substância imortal dos seres e dos objetos sagrados que se encontravam sobre a terra. — Nas entranhas da ilha-montanha, estava alojado o mundo subterrâneo, ou Arulla, habitado pelos deuses Anunnaki (Estes deuses, que eram primitivamente personalidades celestes, tinham sido substituídos no céu pelos deuses Igigi).

Apreende-se de pronto a origem e o sentido desta representação quando se parte da Caverna sacrossanta: a parede superior desta última era, ontologicamente, o céu; as águas do topo da montanha constituíam o superior; elas penetravam na gruta pelas mesmas aberturas que a luz do sol; os objetos que se prendiam aos muros do antro eram divinos e continham a essência dinâmica dos seres de que se lhes dava o nome. Eles se identificavam com os astros; donde as denominações, totalmente iniciáticas, das constelações. Se não se entende estes dados essenciais, se é incapaz de explicar que o céu foi, em tantos povos, considerado como uma cúpula de pedra (mais tarde quando os altos iniciados trabalharam o metal e com ele revestiram a caverna: como uma abóboda de bronze).