Escolas Hindus (HZFI)

Escrituras e Tradições da Índia — ESCOLAS HINDUS

Excertos de Zimmer, Filosofias da Índia

Todas as escolas da filosofia indiana, ainda que divirjam em suas formulações concernentes à essência da verdade última ou da realidade fundamental, são unânimes em afirmar que o objeto último do pensamento e a meta final do conhecimento estão além do alcance de nama-rupa. Tanto o hinduísmo vedantino quanto o budismo Mahayana insistem constantemente no caráter inadequado da linguagem e do pensamento lógico para expressar e compreender seus sistemas. De acordo com a clássica fórmula vedantina, o fator fundamental responsável pela condição e problemas de nossa consciência cotidiana, a força que constrói o ego e o induz a tomar erroneamente a si mesmo e suas experiências por coisas reais, é a “ignorância”, “nescidade” (avidya). Não é cabível descrever essa ignorância como “existente” (sat), nem como algo “inexistente” (a-sat), mas como “inefável, inexplicável, indescritível” (a-nirvacaraya). Porque — continua o argumento — se fosse irreal e inexistente não teria força suficiente para acorrentar a consciência às limitações da pessoa e ocultar da visão interior do homem a realização da imediata realidade do Eu, que é o único Ser. Mas, por outro lado, se fosse real, absolutamente indestrutível, então não seria tão facilmente dissipada pela sabedoria (vidya); o Eu (atman) jamais teria sido descoberto como o substrato último de todos os entes, e não haveria Vedanta alguma capaz de guiar o intelecto à iluminação. Não se pode dizer que a ignorância é porque ela muda. A transitoriedade é seu caráter próprio, e isto o discípulo reconhece no momento em que transcende seu feitiço enganoso. Sua forma é “a forma do devir” (bhava-rupa): efêmera, perecível, derrotável; no entanto, a ignorância em si mesma difere dos fenômenos transitórios nela circunscritos, porque a ignorância tem existido — apesar de sempre mutável — desde tempo imemorial. Na verdade, é a raiz, causa e substância do tempo. E o paradoxo é que, ainda sem nunca ter começado, ela pode ter um fim, pois o indivíduo preso por ela à interminável roda de renascimentos, e sujeito ao que é popularmente chamado de lei da transmigração da mônada vital ou alma, pode tornar-se consciente de que toda a esfera da ignorância é uma existência sem realidade última — e isto pode ser feito simplesmente por um ato de “íntima revelação” (anubhava), ou por um momento de real compreensão: “eu (sou) ignorante” (aham ajna).

A filosofia indiana afirma com insistência que as possíveis experiências que a mente pode ter da realidade ultrapassam, em muito, a esfera do pensamento lógico. Para expressar e comunicar o conhecimento adquirido em momentos de intuição que transcendem o plano gramatical, devem ser usadas metáforas, símiles e alegorias que não são meros adornos e acessórios dispensáveis, mas os próprios veículos da significação, impossível de ser alcançada através de fórmulas lógicas do pensamento verbal comum. As imagens significativas podem abarcar e manifestar com clareza e coerência o caráter paradoxal da realidade conhecida pelo sábio: uma realidade “translógica” que, expressa em linguagem abstrata do pensamento normal, pareceria inconsistente, contraditória em si mesma e até completamente destituída de significado. Portanto, a filosofia indiana serve-se abertamente dos símbolos e das imagens do mito e, em última análise, não está em desacordo com a estrutura e o sentido da crença mitológica.

René Guénon:


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