A revolução husserliana (Abellio)

(Abellio, Serant1955)

Contemporânea da crise das ciências ocidentais, a revolução husserliana marca para o Ocidente uma renovação radical quanto ao estudo do fundamento de suas ciências e ao exercício dos poderes do espírito, e sua importância não poderia ser comparada senão à da revolução cartesiana e galilaica, cujo sentido ela cumpre e subverte. Para prevenir qualquer erro de interpretação, lembraremos desde já que esta fenomenologia recusa inscrever-se linearmente na sequência das ciências e filosofias europeias, e que se apresenta como produto de um retorno sobre si mesmas dessas filosofias e ciências: como o método cartesiano, ela pretende ser ciência das ciências, filosofia das filosofias, ciência do começo radical do conhecimento. Entretanto, parece claro que ela terá efeito mais lento que a revolução cartesiana: ela exige uma ascese intelectual mais ampla. Descartes aceitava a evidência da experiência natural, Husserl não a aceita. Desde então, não é de surpreender se o esoterismo contemporâneo, que vive do impulso dado por um tradicionalista como René Guénon, ainda não se deixou penetrar pelos métodos da fenomenologia transcendental e se continua a demonstrar, em relação a toda filosofia ocidental, a desconfiança menos justificada.

Nada é mais convergente, no entanto, que os ensinamentos do que se chama a Tradição e os resultados dessa fenomenologia. É preciso antes de tudo sublinhar o parentesco do “Eu” transcendental, do “homem interior” de São Paulo e do Atman dos vedantistas. Mas é preciso considerar sobretudo como, ao atribuir à estrutura da visão absoluta o valor de fundamento ontológico único, essa mesma fenomenologia acaba por esclarecer desde dentro certos dogmas tradicionais transmitidos por via de autoridade, como o dos seis dias, que descreve toda gênese, ou por explicitar estruturas misteriosas como a dos tarôs de Hermes e do alfabeto hebraico.

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