Abellio, obra literária

(Hanegraaff2006)

Os ensaios, obras de ficção e autobiografias de Abellio precisam ser compreendidos no contexto dessa dinâmica (da Estrutura Absoluta). Eles refletem um processo contínuo cujo termo final ele chama de “assunção” (Abellio utiliza prontamente terminologia cristã: batismo, comunhão, assunção, etc.) da multiplicidade do mundo no “Homem Interior”. O Homem, assim, seria capaz de alcançar a unificação completa dessa multiplicidade, uma unificação que acabará por proporcionar ao sujeito uma “consciência gnóstica”, também chamada de “segunda memória”, levando, ao mesmo tempo, à “transfiguração do mundo”. A história – tanto a real quanto as ficções históricas de Abellio – se completa, conectando o passado ao futuro em um presente além do tempo.

Os vários gêneros literários que compõem a obra de Abellio estão intimamente interligados. Todos convergem para o mesmo objetivo espiritual: o surgimento de um Eu transcendental. Os ensaios seguem uma abordagem analítica e frequentemente utilizam material autobiográfico. A obra autobiográfica descreve a gênese dos romances e dos ensaios, integrando diversos elementos teóricos. Abellio considera o romance a forma mais completa de escrita, pois é a mais sintética. Não é estritamente analítico como o ensaio – ele mostra mais do que demonstra – nem é inacabado como a autobiografia. Por isso, Abellio atribui aos seus romances, que ele descreve como “um chamado à conscientização ativa do leitor” (Visages immobiles, p. 11), um valor iniciático particularmente potente.

Devido a essa primazia dada à ficção romanesca e ao seu suposto poder de iniciação, a obra de Abellio ocupa um lugar único no esoterismo do século XX: é, certamente, um dos raros casos em que o material romanesco é apresentado como o catalisador de uma “transmutação gnóstica da consciência”. De fato, embora Abellio tenha anunciado o “fim do esoterismo” por meio da desocultação (La fin de l’ésotérisme, 1973) e tenha se distanciado sistematicamente das autoridades esotéricas do passado, seu pensamento apresenta todos os elementos típicos do esoterismo ocidental: a noção de transmutação da consciência, a interdependência de vários graus de realidade, um interesse particular pelos fenômenos naturais, a → imaginação criativa, hermenêutica simbólica e assim por diante. Por isso, ele permanece uma das figuras mais interessantes do esoterismo francês no século XX. Além de sua fama como escritor, ele é também notável como epistemólogo, cujas ideias continuam a ser fundamentais para fomentar pesquisas e reflexões interdisciplinares.

 

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