Faz parte da essência de Odisseu ser o último dos heróis, o que encerra o ciclo. Enquanto conclusão, ele é adjacente à vida que se seguirá, sem nunca mais fechar-se, num ciclo. Seu pé toca a linha limítrofe. Não a Ilíada, massa imensa abandonada na planura, mas a sinuosa Odisseia nos transmite como herança o multiforme romance: “trabalho de um indivíduo, não de um povo”, como Telêmaco define a procura do pai. Porém, último herói a retornar, Odisseu é também aquele que prolonga ao extremo o contato — e que intimidade de contato — com as potências primordiais, que se mostraram nas primeiras fases do ciclo. Seu vagar foi também uma recapitulação e apelo nominal daqueles seres e lugares que muitos já confundiam na recordação, expulsando-as para o domínio da fábula. Com Odisseu estão presentes pela última vez, poderosos e intactos, saudando nele o derradeiro viajante que pôde vê-los com os próprios olhos e testemunhar.
Enquanto Odisseu velejava fatigosamente rumo à sua ilha, o aedo Fêmio já cantava, nos salões do palácio de Itaca, as gestas dos guerreiros com os quais Odisseu combatera em Tróia. Quase tudo era já palavra. Só uma lacuna permanecia: as gestas do próprio Odisseu, eixo do ciclo. Odisseu, mestre da palavra, foi o último a fazer pensar que nem tudo é palavra, enquanto faltava o seu tesouro faiscante de histórias. Após o retorno a Ítaca, a partir da Odisseia, a frequência aos seres e lugares primordiais poderá ocorrer somente por meio da literatura.
(CalassoNCH)