Suas paixões na vida?
E depois?
“Nada mais. Não é uma escolha o que você faz na vida, é um dado adquirido”.
Qual é a quintessência da ioga da Caxemira que você transmite?
“É uma arte tradicional de morrer. Quando a representação que temos de nós mesmos desaparece, a vida permanece. A ioga clássica baseia-se na ideia de nossa pobreza e, por isso, fazemos exercícios para nos tornarmos mais ricos, para nos tornarmos mais espirituais. Na ioga da Caxemira, por outro lado, consideramos que já somos ricos e que toda ação é uma manifestação dessa riqueza. Nessa visão, a riqueza está atrás, não na frente. Quando nossas projeções sobre a realidade desaparecem, resta a vida, a admiração e a alegria”.
Em seu livro “Tantric Yoga”, você indica tempos muito longos para realizar as posições, incomuns hoje em dia, por exemplo, vinte minutos por lado no Maha Mudra.
“A ioga da Caxemira não envolve nenhuma noção de progressão, o fato de realizar um pouco mais ou um pouco menos das posturas não nos preocupa. Mas quando percebemos que não há nada para adquirir, nada para defender, nada para se apropriar, descobrimos que temos muito tempo livre e, nesse momento, a exploração da postura pode ser prolongada. Nessa arte, nossa ferramenta de exploração é a sensibilidade, não para desenvolvê-la, mas para deixá-la morrer. Quando toda percepção morre no coração, há tranquilidade. Esse é o núcleo da prática. Quanto à técnica, ela não pode ser explicada, deve ser sentida na ausência total de intenção, esforço e atividade muscular”.
Você pratica artes marciais há muito tempo?
“Tempo suficiente para perder meus joelhos. Principalmente karatê ukinawa”.
Por que você se interessa por artes marciais?
“Em alguns aspectos, as artes marciais se aproximam da prática de ioga. Por exemplo, a pessoa treina para conseguir levantar o braço sem a participação do ombro, porque a elevação involuntária do ombro impede a força do punho; da mesma forma, na ioga, quando a pessoa consegue realmente levantar o braço sem levantar o ombro, as posições mudam profundamente”.
Um interesse em técnicas corporais?
“A base das artes marciais é estimular em nós a capacidade de lidar com a situação sem comentários psicológicos. Se alguém colocar uma faca em sua garganta e houver medo psicológico, você pode estar correndo atrás de um agressor que está correndo mais rápido do que você. O treinamento em artes marciais não é para lhe dizer o que fazer, que gesto executar, mas como lidar com uma situação sem resíduos emocionais; nesse momento, o corpo, de acordo com suas capacidades, reagirá com clareza e lucidez. Falamos aqui de um não-estado. Do que está além de todos os nossos estados percebidos, de um pressentimento de silêncio, constantemente presente. Essa é a base da dança, da música, de todas as artes, de todas as expressões. Se um músico não sentisse o silêncio, ele não poderia compor. A base de toda dança é esse pressentimento, tornado presente, do silêncio. É essa ausência de medo que nos permite lutar”.
Para que serve o Yoga?
“Quanto mais a sensibilidade corporal estiver ativa, menos a ioga será necessária. Quanto mais o corpo e a mente estiverem dominados pela ganância, pelo terror e pela agitação, mais apropriada será a ioga. Por meio da ioga e da descoberta sensorial que ela induz, o corpo se apresentará em sua totalidade. A ioga é apenas um auxílio para canalizar essa descoberta, mas não é indispensável. Pode-se dizer que ela ajuda a explorar e aprofundar a sensibilidade que surge naturalmente em momentos de tranquilidade. Não se trata de uma exploração com o objetivo de acumular, mas de um estado de admiração. Essa admiração pela sensibilidade e pelas possibilidades sensoriais impensáveis gradualmente dá lugar a uma admiração sem objeto. Esqueça o que você admira. A luz da admiração queima toda a forma. Nós somos apenas isso”.