Bharata

René Daumal — A ORIGEM DO TEATRO DE BHARATA

O texto

O Natya-Shastra de Bharata é o mais antigo tratado de arte dramática hindu. Natya significa a princípio dança e representação mimetizada, mas o teatro hindu, desde a origem, é a arte total. É dança, mímica, música, canto, poesia, arquitetura, mise en scène, e mesmo pintura. Em todas estas matérias, o Natya-Shastra é a primeira autoridade, porque é um saber tradicional; recebe até o nome de Quinto Veda.

Entende-se por saber tradicional (veda, -vidya) um corpo de doutrina desenvolvendo o sentido do Veda original sob um ângulo particular, sem perder de vista a meta última que é o conhecimento; esta última palavra não está a princípio aqui senão para velar um buraco de nosso pensamento, e cabe a cada um de nós preenchê-lo. Desde a metafísica e a dança até o trato dos elefantes e à mecânica, todos os corpos de doutrina, para os hindus, estão ligados por esta meta última que têm em comum, seja denominada liberação, conhecimento ou unificação; em aprendendo o tiro ao arco ou a gramática, pode-se aprender a se conhecer.

Os hindus se preocupam muito pouco com a cronologia, se atribuem ao Natya-Shastra uma alta antiguidade; entendem por aí sobretudo uma proximidade espiritual com o ensinamento do Veda. De fato, a coletânea é uma compilação que se estende sem dúvida por vários séculos, e algumas passagens parecem ter sido interpoladas ou remanejadas em uma época bastante recente. Mas a maior parte do livro, e a mais importante, é certamente muito antiga. Todos os outros tratados de arte dramática e de poesia citam Bharata, e ele mesmo não cita nenhum. Bharata, contrariamente aos autores posteriores que usam amplamente do «exemplo clássico», não cita nenhuma peça escrita. O «Teatro» de que fala não é o gênero literário que, em seguida, tomou abusivamente este nome; era ainda ação, exercício e rito, muito mais que representação. A língua, simples e concisa, bem marcada, versificada em uma meta mnemônica e frequentemente com francos golpes de termos de rima, está desprovida de ornamentos preciosos ou barrocos do sânscrito posterior; mas o vocabulário técnico abunda em palavras prakrits e dravidianos, e estes poderiam fazer supôr uma antiga tradição teatral pré-ariana, talvez aquela que subsiste ainda em nossos dias em certas partes do sul da Índia. Notamos ainda a tendência shivaita do Natya-Shastra, e a ausência de todo índice permitindo de ser crer posterior ao budismo. O tratado parece portanto posterior às antigas epopeias e anterior de pelos menos quatro ou cinco séculos a nossa era; é bem vago, e a princípio pouco útil.

O texto, transmitido oralmente, não foi posto por escrito senão a uma época bastante recente. Tomei por base o texto estabelecido por Joanny Grosset segundo os principais manuscritos conhecidos; é a princípio a única edição europeia, e rendeu grandes serviços aos letrados hindus eles mesmos. É lamentável que tenha ficado inacabada.

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