Existe uma certa relação complementar entre a reação budista e a reação shankariana: o Budismo reagiu contra um Brahmanismo que se tornou um tanto sofisticado e farisaico, e Shankara reagiu contra as simplificações doutrinárias do Budismo, simplificações que não são em si mesmas errôneas, certamente, mas contrárias à metafísica tradicional da Índia. Se a espiritualidade brâmane não tivesse sofrido um obscurecimento, a expansão pacífica do Budismo não teria sido possível; da mesma forma, se a perspectiva budista não estivesse centrada no homem e em seus fins últimos, Shankara não teria tido que rejeitá-la em nome de uma doutrina centrada no Si Mesmo.
Essa é a grande diferença: o Buda liberta eliminando o que é humano, após tê-lo definido como sofrimento; Shankara liberta apenas pelo conhecimento daquilo que é real, puro Sujeito, puro Si Mesmo. Mas eliminar tudo o que é humano não ocorre sem metafísica, e conhecer o Si Mesmo não ocorre sem a eliminação do humano: o Budismo é uma terapia espiritual que, como tal, exige uma metafísica1), enquanto o Hinduísmo é uma metafísica que, com a mesma necessidade, implica uma terapia espiritual.
(Frithjof Schuon, Perspectives spirituelles et faits humains PSFH)
«Segundo o ensinamento do Buda, existem duas ordens de verdades: a verdade suprema e a das aparências. Aqueles que ainda não encontraram a diferença entre as duas verdades não compreenderam o sentido mais profundo da doutrina.» (Nāgārjuna, no Mādhyamikaśāstra. ↩