Ibn Arabi: Excertos traduzidos de William Chittick
Como posso encontrar Deus?
Ibn Arabi sustenta que todos os seres humanos devem buscar a resposta desta questão. Tendo respondido ela, devem então se prontificar a verificar a verdade de sua resposta encontrando Deus de fato, não em teoria. Ele se refere àqueles que verificaram com sucesso a verdade de sua resposta como “Gente de Desvelar e Encontrar” (ahl al-kashf wa’l-wujud). Eles passaram além dos véus que se encontram entre eles e seu Senhor e se estabeleceram em Sua Presença. O caminho que atravessaram está aberto para todos. É o caminho trazido pelos profetas e seguido pelo amigos de Deus (al-awliya), e é o caminho estabelecido em detalhe nas obras de Ibn Arabi. Para compreender como ele concebe o problema, o caminho e a meta é a tarefa maior do presente estudo. Começamos por examinar a questão “Como posso encontrar Deus?”.
“Encontrar” traduz o árabe wujud, que, em outro contexto, pode ser traduzido como “existência” ou “ser”. A famosa expressão “Unicidade de Ser” ou “Unidade de Existência” (wahdat al-wujud), que é frequentemente dita representar a posição doutrinal de Ibn Arabi, pode também ser traduzida como a “Unicidade” ou “Unidade de Encontro”. Apesar de centenas de volumes sobre ontologia que foram inspirados pelas obras de Ibn Arabi, sua principal preocupação não é com o conceito mental de ser mas com a experiência do Ser de Deus, o sabor (dhawq) de Ser, que “encontrar” que é o mesmo que perceber e ser isto que verdadeiramente é. Sem dúvida Ibn Arabi possuía um das maiores mentes filosóficas que o mundo conheceu, mas filosofia não era sua preocupação. Ele queria somente tratar do constante e sempre renovado encontrar do Ser e Consciência Divinos. Ele tinha passado os véus, embora sempre estivesse pronto a admitir que os véus eram infinitos e que todo instante na vida, neste mundo e por toda eternidade, representa um levantar contínuo dos véus.
Encontrar Deus é cair em encantamento (hayra), não o encantamento do ser perdido e incapaz de encontrar seu caminho, mas o encantamento de encontrar e conhecer Deus e não-encontrar e não-conhecer Ele ao mesmo tempo. Todo ser existente outro que Deus habita numa terra do nunca de afirmação e negação, encontrar e perder, conhecer e não-conhecer. A diferença entre os Encontradores e o resto de nós é que eles são totalmente conscientes de sua própria situação ambígua. Eles sabem a significância do dito do primeiro califa Abu Bakr: “Incapacidade para alcançar compreensão é ela mesma compreensão”. Eles sabem que a resposta a toda questão significante concernente a Deus e o mundo é “Sim e não”, ou, como o xeique a expressa, “Ele/não-Ele (huwa la huwa).
Filosofia
Marcia Sá Cavalcante Schuback
Excertos de “PARA LER OS MEDIEVAIS”
Voltar-se para Deus é o sentido do que conhecemos como busca de Deus. Pois para a religiosidade medieval não se busca Deus porque não se “tenha” Deus. Busca-se Deus porque o modo em que a alma é o mais possível alma, ou seja, o seu limite, é buscando ficar junto e perto do fundo de ser. A alma é a vida dedicada a manter-se no seu meio–elemento, assim como o peixe é a vida dedicada a manter-se na água, a estrela da manhã no meio da nuvem, o lírio junto à fonte, a rosa na primavera. E querendo-se representar, espacialmente, essa movimentação da alma no meio divino, deve-se imaginar o que acontece com uma linha reta, a linha que costumeiramente representa pontos sucessivos no espaço, quando a giramos e colocamos diante de nós frontalmente como um telescópio. A linha horizontal transforma-se em um ponto, um ponto de profundidade infinita, mas que frontalmente só vemos como um ponto. Assim é o quase-lugar da alma, um ponto de profundidade infinita, de um movimento “dentro” de si mesmo. Esse dentro já é todo o espaço circundante, já é toda a circunstância. Por isso, o que se busca não é nada lá “fora”, o Deus que se busca já está no fundo da alma, como podemos ler no sermão 57. Está nesse fundo sem fim, nesse fundo sem fundo que Mestre Eckhart e a totalidade dos autores medievais chama de abismo. Quando os medievais falam em “visão de Deus”, em “união mística” eles não falam em encontrar essa coisa–deus, que está lá fora. Falam, ao contrário, na busca sem fim da alma como sendo a visão de Deus, a união mística. Em toda essa busca encontram-se os advérbios que a alma pode pronunciar junto ao verbo uno, inteiro, pleno de Deus. A busca sempre retomada da alma corresponde (como advérbio) ao verbo infinito de Deus, que é reunir e integrar infinitamente toda a criação. Ou ainda, o quase-lugar da alma é a correspondência ao lugar–verbo de Deus.