Jean Canteins — A Paixão de Dante Alighieri
Mystères d’une Pérégrination é o primeiro volume de uma trilogia publicada pela Dervy Livres, em 1997. O segundo trata do homem de controvérsias, da linguagem e do visionário, enquanto o terceiro versa sobre Francesco de Barberino, seu compatriota e amigo.
Segundo Canteins, em 1300, com 35 anos, Dante se engaja na experiência mística que nos valeu a Divina Comédia. Ela o surpreendeu pelo resto de sua vida — vida de errâncias de cidade em cidade até Ravena, onde terminou seus dias vinte e um anos mais tarde.
Dante se colocou como escriba de Deus; relatou em 14233 versos o que viu e ouviu durante sua viagem ao Além, como se tivesse realmente feito. Canteins escreve a este respeito: “Dante foi tão longe talvez até mais que os grandes extáticos que fizeram o relato de suas visões”.
Se Dante intitula seu poema “Comédia”, é que o final de sua peregrinação é feliz enquanto o início não o é. Para transformar em bem o que havia começado tão mal, foi preciso uma sequência de conversões que alcançaram por fim àquele onde o Amor faz retornar Dante aqui em baixo para pôr seu poema.
Esta obra de Canteins se propões a mostrar como as conversões (vide nosso strepho) sucessivas durante sua Peregrinação condicionam a danação ou a eleição de Dante, que se identifica finalmente ao Cristo… Nesta viagem espiritual, Dante é confrontado com três mistérios essenciais da cristandade: a Redenção, a Trindade e a Encarnação. Por “Mistério” é preciso entender ao mesmo tempo o mistério como tal, no sentido teológico, e o mistério no sentido corrente do termo, que atem tanto à formulação do pensamento de Dante como às diferentes correntes que puderam influenciá-lo. (adaptado da apresentação do livro)
Mistérios de uma Peregrinação
Introdução
Se propondo a expôr sua concepção do Além por meio de uma Peregrinação sobrenatural sucessivamente ao Inferno, ao Purgatório e ao Paraíso, Dante se achou na obrigação de tratar diversas noções que a Igreja define como Mistérios, quer dizer verdades que, inacessíveis à razão, procedem essencialmente de uma revelação divina. Dante confrontou-se efetivamente com três Mistérios principais da Cristandade: “Redenção, Trindade e Encarnação, e nosso estudo tratará particularmente as passagens da Divina Comédia que abordam eles. Claro que Dante trata estes Mistérios com seu gênio pessoal que, apesar de seu poder e sua originalidade evidentes, não se deixa menos condicionar pelo contexto florentino de seu tempo de modo que frequentemente, às dificuldades do Mistério cristão como tal, se somam ou se sobrepõem as dificuldades próprias à maneira que julgou melhor formulá-las. Assim o subtítulo “Mistérios de uma Peregrinação” tem um duplo sentido: ao mesmo tempo mistério em si ou intrínseco, no sentido da teologia, e mistério extrínseco, específico tanto à “fantasia” do Poeta quanto às influências e correntes de pensamento expressos pelo Homem engajado no combate espiritual.
Primeira parte: “Do Inferno”
Encontra-se no Antigo Testamento dois avisos contraditórios sobre as chances de se subir dos Infernos uma vez que se tenha nele descido. Por um lado, aquele que nos dá Jó: “Aquele que descer ao Sheol não subirá” (Jó VII, 9). Por outro lado, o aviso contrário, enunciado em oração a YHWH por Ana, a mulher estéril que se tornou mãe de Samuel: “YHWH faz morrer e faz viver, faz descer ao Sheol e dele faz subir” (I sam II,6). Embora fazendo parte dos “Livros históricos”, esta oração (II, 1-10) é formulada à maneira dos Salmos e nota-se aproximações com vários destes. No que concerne o vero 6, encontra-se uma declaração análoga conjuntamente no Sl XXX,4 (“tu fez remontar minha alma do Sheol”: uma ação de graças à ( (IHWH) depois de uma cura milagrosa) e no Sl LXXI,20 (“e dos abismos da terra virás me fazer remontar”).
Na Divina Comédia, Dante nos relata a Peregrinação que, sob a conduta de vários guias sucessivos, vai conduzi-lo ao Paraíso. Assim fazendo, Dante opta em favor do segundo aviso pois toda sua proposição repousa sobre o fato que não se poderia alcançar o Empíreo sem transitar pelo ponto dos antípodas onde se mantém o Rei do Inferno. Ora, o processo que converte a descida aos Infernos em ascensão ao Céu não se dá sem um retorno fundamental do qual importa considerar as modalidades e as circunstâncias pois foi geralmente incompreendido, subestimado ou passado em silêncio.
Segunda Parte: “…Ao Paraíso”
No final do Paraíso encontram-se cerca de 30 versos que se articulam com aqueles do último canto do Inferno , descrevendo o retorno salvador de Dante e de seu guia. Como poucas considerações foram feitas sobre estes versos, Canteins se dispõe a examiná-los aqui, por que vê neles correspondências importantes com aqueles do episódio infernal.
Reconhecendo a deficiência de sua escrita para transcrever como conviria o objeto de sua experiência, Dante se propõe comunicar sua visão dos Mistérios da Tri-unidade e da Encarnação de Deus.
Terceira Parte: “… Pelo Purgatório”
A economia da Divina Comédia é fundamentalmente trinitária. Assim Canteins propõe completar seu estudo com o Purgatório, como meio, passagem entre os dois extremos Inferno e Paraíso.
Excertos