Chuang-Tzu, numa poesia inigualável sobre a amizade, aponta os dois momentos do mundo humano: o organizado e o não-organizado. A força de viver o organizado procede do que não é organizável. O encontro humano com os outros e com as coisas se institui a partir de um vigor que se furta ao institucional, ao estruturado. É de todo impossível, porém, viver fora de estruturas e instituições. O querer viver fora já é uma estrutura. O encontro morre quando só atende ao institucional, ao programa que se lhe dá. O encontro cresce quando no institucional se dialoga com o fervor oculto que é o que possibilita o percurso do encontro no institucional.
«O Rei do Mar do Sul era age-conforme-teu-palpite,
O Rei do Mar do Norte era age-num-relâmpago.
O rei do lugar entre um e outro era o Não-Forma.
Ora, o Rei do Mar do Sul
E o Rei do Mar do Norte
Costumavam ir juntos frequentemente
À terra do Não-Forma.
Este os tratava bem.
Então, consultavam entre si,
Pensavam num bom plano,
Numa agradável surpresa para Não-Forma
Como penhor de gratidão.
«Os homens», disseram, «têm sete aberturas
Para ver, ouvir, comer, respirar,
E assim por diante. Mas o Não-Forma
Não tem aberturas. Vamos fazer nele
Algumas aberturas».
Depois disso
Fizeram aberturas em Não-Forma,
Uma por dia, em sete dias.
Quando terminaram a sétima abertura,
Seu amigo estava morto.
Disse Lao Tan: «Organizar é destruir».
(A via de Chuang-Tzu, PP. 86-87).
A poesia tece considerações sobre o viver humano na figura do encontro de três reis. Os três reis são três momentos do humano: o sujeito, o objeto e o imponderável que possibilita os dois ponderados se encontrarem. O homem é sempre sujeito dialogando com algum objeto. Objeto (Gegenstand) é tudo o que se contrapõe ao sujeito. Nesse plano, para o sujeito tudo é objeto. Ele só pode falar objetivando. Por outro lado só há objeto porque há sujeito.
Querer, porém, reduzir tudo a sujeito (subjetivismo) ou tudo a objeto (objetivismo) é destruir, porque essa pretensão não respeita o principal: o não-sujeito e o não-objeto, o imponderável que possibilita ao homem tudo falar no esquema de sujeito e objeto. Viver é experimentar o imponderável não-forma reduzindo-o constantemente à forma de sujeito e objeto. Se o espírito, porém, perceber que o sujeito é mais que sujeito e os objetos são mais que objetos estará salvaguardando o encontro do sujeito com seus objetos, porque aquele «mais» é o fervor de todo encontro. O encontro é sempre triangular.