A ideia da “jornada para o Oriente”, ou seja, o retorno da alma “para casa” sob a orientação de seu Guia, seu Eu celestial, implica uma “pedagogia angelical” que torna o ser dessa alma e a noção de alma em geral parte integrante de uma angelologia. Essa solidariedade é particularmente evidente na Narrativa de Hayy ibn Yaqzân, onde a angelologia de Avicena estabelece sua hierarquia tríplice: há os Arcanjos ou Inteligências Puras, os Kerubim (Querubins). Há os anjos que emanam deles e que são as almas condutoras das esferas celestiais. Há as Almas humanas ou “Anjos terrenos” que movem e governam os corpos humanos terrenos. Somos constantemente lembrados do parentesco e da homologia entre as Animae caelestes e as Animae humanae. As almas humanas estão no mesmo relacionamento com o Anjo do qual emanam, que é o X dos Kerubim, assim como cada Alma celestial está com a Inteligência do Pensamento da qual seu ser emana. É, portanto, imitando a Anima caelestis que o anjo terrestre ou anima humana realizará sua angelitude (fereshtagî), que ainda é virtual precisamente por ser terrestre. Mas, diferentemente da Anima caelestis, a alma humana pode trair seu ser, sair da linha e desenvolver uma virtualidade demoníaca dentro de si.
Nossas “Notas e glosas” destacam alguns dos aspectos envolvidos nesse ensino. Ainda é muito cedo para tentar fazer uma síntese aqui. Gostaríamos apenas de expor algumas características da angelologia de Avicena, em particular como a noção de alma desempenha um papel essencial nela, já que é por causa dela que a função cosmológica do Anjo–Inteligência também é apresentada na forma de uma soteriologia. Isso, por sua vez, é a consumação da pedagogia angélica, que, em última análise, coloca o seguinte problema: se nossas almas estão na mesma relação com a Inteligência atuante (Espírito Santo ou Gabriel, o Arcanjo) que cada Anima caelestis com seu Arcanjo, o fato é que cada Inteligência (‘aql) com cada Alma (nafs) forma um todo diádico, um universo fechado, um Céu entre os Céus, enquanto as almas humanas são uma multidão em relação a uma única e mesma Inteligência. Como podemos conceber a homologia da estrutura e do comportamento? A resposta a esse problema virá não tanto de uma solução teórica, mas de uma visão, como a de Hayy ibn Yaqzân, a partir da qual um problema fundamental da angelologia emergirá em uma nova roupagem: a da individualidade específica, ou seja, a individualidade que não está mais subordinada a uma espécie, mas é ela mesma sua própria espécie, seu próprio arquétipo.
Ao estabelecer sua própria angelologia e, com ela, todos os aspectos sugeridos pelo sentimento gnóstico de exílio e o desejo ardente que o impulsiona, o avicenismo teve de enfrentar outros sistemas de angelologia baseados em uma interpretatio mundi completamente diferente. Em primeiro lugar, haveria a angelologia do Alcorão, que um tawil afortunado permitiria que fosse conduzida de volta à sua verdade filosófica. Em seguida, haverá o confronto muito mais sério com a angelologia averroísta. Haveria o mal-estar provocado no cristianismo por essa angelologia, que o avicenismo latino não conseguiu fazer prevalecer no escolasticismo medieval ortodoxo e oficial, mas cujo atestado torna possível traçar os laços de parentesco e afinidade, através dos tempos, com tantas outras visões. Portanto, seria necessário compilar uma soma completa de angelologia para situar e restaurar essa função do avicenismo. O momento ainda não chegou. Tudo o que estamos propondo aqui são alguns temas úteis para a meditação, a fim de iluminar a trilogia dos Relatos.
[CorbinAvicena]