Corbin (Ibn Arabi) – O Coração como órgão sutil

O coração (qalb) em Ibn Arabi como no sufismo em geral, é o órgão pelo qual é produzido o verdadeiro conhecimento, a intuição compreensiva, a gnose (marifa) de Deus e dos mistérios divinos, em resumo o órgão de tudo aquilo que pode ser compreendido soba a designação de ciência do esotérico (ilm al-Batin). É o órgão de uma percepção que é, como tal, experiência e gosto íntimo (dhawq), e embora o amor seja igualmente referenciado ao coração, o centro próprio do amor é em geral para o sufismo, o ruh, o pneuma, o espírito.

Sempre é bom lembrar que esta referência não é ao órgão de carne denominado coração, embora haja certa conexão, cuja modalidade é ignorada. Trata-se de uma “fisiologia mística” que opera em um “corpo sutil” comportando órgãos psico-espirituais (centros sutis ou latifa em Semnani) que importa distinguir dos órgão corporais. É possível se falar da função teândrica do coração posto que sua suprema visão será aquela da Forma de Deus (surat al-Haqq), e isto porque o coração do gnóstico é o “olho”, o órgão pelo qual Deus se conhece a ele mesmo, se revela a ele mesmo nas formas de suas epifanias. O gnóstico é como o Homem Perfeito, o antro da consciência divina de Deus, e que Deus é o antro e a essência da consciência do gnóstico. Em resumo o poder do coração é um poder ou energia secreta que percebe as Realidades divinas por um puro conhecimento hierofânico, sem qualquer mistura, porque o coração do gnóstico é como um espelho no qual se reflete a forma microcósmica do Ser divino.

Este poder do coração é aquele designado pela palavra himma, equivalente do grego enthymesis que significa o ato de meditar, conceber, imaginar, projetar, desejar ardentemente, quer dizer ter presenta no thymos, o qual é força vital, alma, coração, intenção, pensamento, desejo. Na gnose de Valentino, enthymesis é a intenção concebida pelo trigésimo Eão, Sophia, em seu elã para compreender a grandeza do Ser ingênito. Esta intenção se destaca dela, reveste uma existência separada; é a Sophia separada do Pleroma, mas de substância pneumática. O poder de uma intenção tal qual ela projeta e realiza um ser exterior àquele que a concebe, corresponde de fato ao caráter próprio desta potência misteriosa que Ibn Arabi designa como himma.

[CorbinIbnArabi]

Henry Corbin (1903-1978), Ibn Arabi (1165-1240)