Corbin Redenção

SUFISMO — HENRY CORBIN

Excertos da tradução em português de Dimas David Santos Silva, do livro de Steven Wasserstrom, Religion after Religion

REDENÇÃO

Quando se encontrava a própria ‘natureza perfeita’, uma nova condição inteiramente renovada repunha a vida estafada do velho mundo. Scholem expressou esta perfeita renovação em termos de um messianismo judaico. “O que foi no passado percebido como um estado de redenção, principalmente em sua conotação messiânica, torna-se agora a condição única na qual é possível haver uma verdadeira experiência humana. O estado não redimido não mais é digno de ser chamado de humano. O estado redimido está onde começa a experiência humana.” Corbin definiu o corpus mysticum — em uma frase que ironicamente antecipava o jargão atual — como “paraíso virtual”. A história preferida que Corbin usava para exemplificar este ponto adveio de seu encontro com D. T. Suzuki. Vale a pena reproduzi-la por extenso:

Gostaria de mencionar minha conversa, que me parece memorável, com D. T. Suzuki, o mestre do zen budismo (casa Gabriella, Ascona, 18 de agosto de 1954, na presença da senhora Fröbe-Kapteyn e de Mircea Eliade). Perguntamos a ele qual havia sido o seu primeiro contato com a espiritualidade ocidental, e soubemos que cerca de cinquenta anos atrás ele havia traduzido quatro dos trabalhos de Swedenborg para o japonês, tendo sido este o seu primeiro contato com o Ocidente. Mais adiante em nossa conversa, perguntamos que homologias ele encontrou na estrutura do budismo mahaiana e da cosmologia de Swedenborg, e ainda de sua correspondência no mundo… Claro que não esperávamos uma resposta teórica, porém um sinal atestando a experiência concreta em uma pessoa do budismo mahayana e da espiritualidade de Swendenborg. Ainda posso ver Suzuki sorrindo e brandindo uma colher, dizer: “Esta colher agora existe no paraíso…” “Agora, estamos no Céu,” ele explicou.

No fim da vida, Corbin passou a chamar esta condição do presente de ‘escatologia percebida’. Em seu ensaio mais revelador, de cunho mesmo confessional e publicado quatro anos antes de sua morte, Corbin extrapolou a partir da evidência dos Pergaminhos do Mar Morto para colocar uma condição universal do tempo aperfeiçoado:

O tempo dos profetas e das visões proféticas não aconteceu na medida do tempo da História. A reversão imposta por Copérnico foi necessária pela fenomenologia existencial da Imago Templi que estamos tentando elucidar. Confrontado com uma igreja que se tornar um poder histórico e uma sociedade no tempo deste mundo, o anseio pelo Templo… é o anseio por um tempo que não seja limitado pelo passado e pelo futuro do tempo histórico, porém um nunc de uma Presença eterna. Tal “escatologia percebida” restaurou o Paraíso, restaurou o homem à sua condição de status celestial.

“A fenomenologia existencial da Imago Templi” é a eterna presença — acessível neste instante, agora. Assim como na historicidade mística a sequência de momentos no passado converge para o coração do gnóstico, assim também o futuro é agora presente, eterno. O escatalógico é percebido. O tempo é agora.



Henry Corbin (1903-1978)