Deghaye (PTM) – Hesse e o jogo das contas de vidro

Mas o que é esse jogo de contas de vidro? Na época do herói, ele não era mais apenas uma forma de entretenimento. Era praticado como uma liturgia. Mas a liturgia da Igreja é realizada com gestos visíveis, enquanto o jogo de contas de vidro é uma prática abstrata. É um jogo da mente. Ou, pelo menos, foi isso que ele se tornou.

Originalmente, havia contas de vidro alinhadas em cordas. As contas eram notas musicais e as cordas eram as linhas da pauta. No entanto, as contas logo perderam seu valor como símbolos reais e assumiram um significado metafórico. O que restou foi um jogo codificado. O jogo de contas de vidro é um jogo simbólico e os símbolos estão em um script. Eles lembram fórmulas matemáticas e hieróglifos.

Nenhum comentarista seria capaz de interpretar esses símbolos. Estamos falando aqui de uma escrita utópica, apesar de suas semelhanças com a escrita real. O próprio romancista teve o cuidado de não nos dar amostras, e ele até nos faz entender a dificuldade que tem em nos explicar in abstracto o que é realmente essa linguagem curiosa. A citação na epígrafe, que Hesse fabricou do zero, mostra como é difícil falar em palavras de algo que não existe como uma realidade tangível. Como podemos mostrar com nossas palavras e sinais o que é uma linguagem que existe apenas na mente? Como podemos fazer com que nossa linguagem humana entenda o que é uma linguagem ideal? Esse é o paradoxo do romance.

No final, a escrita ideal em O Jogo das Contas de Vidro nos escapa completamente. Mas, na ausência de ideogramas, podemos nos concentrar no processo intelectual que deu origem a eles em sua forma imaginária e no conteúdo que pretendiam incorporar. Nesse aspecto, o texto nos dá algumas dicas. Um comentário utópico desenharia os símbolos do jogo de contas de vidro e os decifraria para o leitor, mas nosso objetivo é infinitamente mais modesto. Vamos simplesmente tentar entender o princípio dessa forma ideal de escrita, que pretende ser universal, não porque seria praticada por todos os homens ao mesmo tempo, mas porque forneceria a chave para todo o conhecimento humano.

(DeghayePTM)

Hermann Hesse