Desafio de uma síntese esotérica (Abellio)

(Abellio, Serant1955)

Resta no entanto que duas vias de acesso ao esoterismo parecem hoje possíveis. A primeira é aquela que Guénon quis traçar com rigor, ao redescobrir os ensinamentos dos Antigos, notadamente os da Índia, e ao propô-los aos Ocidentais, ao mesmo tempo que põe em evidência o caráter “não-tradicional”, “perigoso” ou “ilusório” da ciência e da filosofia desses últimos. Tudo o que posso dizer é que essa via não é, ou melhor, não é mais a minha, mesmo se persisto em pensar que a Bhagavad-Gîtâ, por exemplo, é uma obra admirável e de um poder prodigioso de conversão e se considero que as análises guenonianas vieram a tempo de pôr uma indispensável rigor na confusão ocultista do século XIX. Mas Guénon fecha os problemas, enquanto Husserl os abre. E há muitas maneiras de ser iluminado pela Gîtâ. Guénon, aliás, salvo engano, deixou bem cedo de se interessar pelas preocupações fundamentais dos pesquisadores ocidentais. Embora contemporâneo de Husserl, ele não parece ter atribuído importância à sua obra. Ele parece também ter ignorado Hubert, o fundador da axiomática, que colocou os problemas últimos da matemática e esclareceu sua crise. O grande debate moderno sobre o intuicionismo e o formalismo não parece tê-lo tocado. Assim retirado do Ocidente realmente vivo, não é surpreendente que Guénon tenha tentado convertê-lo de fora, e que essa conversão permaneça nele marcada por um literalismo e um ritualismo que, é um fato, contradizem desde Descartes ao gênio do Ocidente. Daí também o pouco interesse que ele tem pelos problemas éticos e estéticos enquanto expressões particulares de nosso drama. Por outro lado, não se poderia imputar à obra guenoniana o fato de ela não ter ainda saído dos debates de escola: no Ocidente, nenhuma minoria avançada poderá por muito tempo ter a pretensão de agir de maneira visível. Simplesmente, uma outra via se desenha, desta vez do interior mesmo do Ocidente, para todos aqueles que vivem a crise de nossas ciências e de nossas filosofias e esgotam essa crise por seu próprio paroxismo. Para esses, trata-se menos de pôr em causa os produtos da ciência – o que é uma atitude negativa – do que proceder à elucidação positiva de seus fundamentos. Para esses, o conhecimento dos ensinamentos da Tradição, por mais erudito e rigoroso que seja, exige ser fundido na matéria de sua experiência particular de Ocidentais, e tudo anuncia que a Tradição, por sua vez esclarecida desde dentro, receberá dela a expressão nova mais bem adaptada ao poder de conversão que ela deve exercer na futura pentecostes.

Se a última nobreza do homem está na rigor intelectual, o último objeto desta é se dedicar à convergência dessas duas vias, em um esforço de síntese fora do qual não haverá real reconstituição da Tradição. O que nos incomoda nos Vedas, não é seu conteúdo, que é sublime, é que eles nos chegam como um dado. Nós também gostaríamos de escrever nossos textos sagrados, e a esse respeito não podemos nos contentar em fazer a exegese dos Vedas. Ora, os partidários da atitude guenoniana nos parecem, com razão ou não, tomar cada vez mais a figura de exegetas. Em todo caso, sua negação do Ocidente os separa cada vez mais da problemática ocidental, que não é aberta apenas pela superstição da quantidade. Tomemos um exemplo. Talvez não haja problema mais significativo, hoje, na Europa, do que aquele que se coloca na vida íntima dos casais, e daí na vida coletiva, em consequência, de um lado, da relação de inversão que se estabelece entre a virilidade das mulheres e a feminilidade dos homens, e, de outro lado, da inversão dessa inversão, que marca a superação desse problema e seu desaparecimento. Essa situação é especialmente europeia: a vida europeia moderna é dominada pela rápida virilização das mulheres e pela rápida feminização dos homens. Ora, em um sentido, o acesso ao conhecimento é comandado pela saída fora desse círculo. Se é evidente que essa situação não é nova, e que por exemplo há alusão a ela nos escritos tântricos, pode-se com razão se perguntar se, não a tendo realmente vivido, seria-se capaz de reconhecê-la no tantrismo, ou se, ao contrário, não é graças a essa experiência vivida que o tantrismo será enfim compreendido. Ao ver com que formalismo os tradicionalistas continuam a falar da dialética do Salvador-Salvo sem fazê-la interferir com a experiência carnal do Esposo e da Esposa, pode-se ter por certo que se essa experiência não lhes escapa, eles não sabem em todo caso reconhecê-la como crucificante.

A coleção “Correspondências” se encontra assim colocada diante da necessidade de uma síntese cuja dificuldade não escapa a ninguém. Da apresentação literal de um texto tradicional até a reconstituição fenomenológica do simbolismo, passando pelo recenseamento e organização “objetiva” das estruturas psicanalíticas, a distância é considerável. É essa distância que é preciso percorrer. Apresentar por outro lado uma metodologia do esoterismo desembocando no limite nessa demonstração de que é preciso abolir o esoterismo, é uma tentativa paradoxal cujo sentido só poderá ser compreendido retrospectivamente, no próprio termo da experiência de cada um, e que implica um uso difícil da confiança do leitor. Assim, os primeiros trabalhos apresentados, na medida em que se limitarem a esses recenseamentos de estruturas parciais, mas positivas, arriscam-se a parecer muito prudentemente empiristas, e sua inserção no conjunto do movimento dialético não aparecerá claramente: eles correspondem no entanto a uma fase necessária. Tanto quanto possível, tentaremos não separar desses recenseamentos “objetivos” o exame dos problemas de metodologia que lhes são ligados e que relativizam seu alcance. Mas não nos iludamos: esse exame, pela conversão intelectual prévia que exige, apela no filósofo a uma ordem de preocupações que até agora não habitam os praticantes desses recenseamentos mesmos, e que essas duas funções se encontram ainda separadas. Integrá-las uma na outra será um dos objetivos da coleção. O esoterismo não pode mais se contentar hoje em se delimitar mais ou menos nitidamente das novas disciplinas que, como a psicanálise, a astrologia ou a parapsicologia, ou mesmo a sociologia, lhe tomam emprestado seu vocabulário e apelam para sua interpretação dos ritos ou dos mitos. Constatar-se-á então que a obra de saneamento empreendida por Guénon em relação ao espiritismo ou à teosofia não foi senão o começo de uma tarefa muito mais vasta e de elucidações muito mais exigentes. O esoterismo integrará o método e as aquisições fenomenológicas ou então será reduzido a um puro e simples dogmatismo exegético. Mas se ele integrar realmente esse método e essas aquisições, e se, ao fazê-lo, confundir-se com eles, ele revolucionará os fundamentos da astrologia, da parapsicologia e das psicanálises, ou, mais exatamente, dar-lhes-á os fundamentos que ainda lhes faltam.

 

 

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