Acabamos de dizer que a palavra “existir” não pode ser aplicada adequadamente ao não manifestado, ou seja, em suma, ao estado principial; de fato, tomada em seu sentido estritamente etimológico (do latim ex-stare), essa palavra indica um ser dependente de um princípio diferente de si mesmo, ou, em outras palavras, um ser que não tem sua razão suficiente em si mesmo, ou seja, o ser contingente, que é a mesma coisa que o ser manifestado1. Quando falamos de Existência, portanto, queremos dizer manifestação universal, com todos os estados ou graus que ela compreende, cada um dos quais pode ser designado igualmente como um “mundo”, e que estão em uma multiplicidade indefinida; mas esse termo não seria mais apropriado para o grau de Ser puro, o princípio de toda manifestação e ele mesmo não manifestado, nem, a fortiori, para aquilo que está além do próprio Ser.
Podemos estabelecer em princípio, antes de qualquer outra coisa, que a Existência, universalmente considerada de acordo com a definição que acabamos de dar, é única em sua natureza íntima, pois o Ser é uno em si mesmo, e precisamente por causa dessa unidade, uma vez que a Existência universal não é outra coisa senão a manifestação integral do Ser, ou, para falar mais precisamente, a realização, no modo manifestado, de todas as possibilidades que o Ser principalmente compreende e contém em sua própria unidade. Por outro lado, essa “unicidade” da Existência, se é que podemos usar um termo que pode parecer um neologismo,2 não exclui nem afeta a multiplicidade de modos de manifestação mais do que a unidade do Ser na qual se baseia, pois também inclui todos esses modos pelo próprio fato de serem igualmente possíveis, implicando essa possibilidade que cada um deles deve ser realizado de acordo com as condições que lhe são próprias. Segue-se daí que a Existência, em sua “unicidade”, compreende, como já indicamos, um número indefinido de graus, correspondendo a todos os modos de manifestação universal; e essa multiplicidade indefinida de graus de Existência implica correlativamente, para qualquer ser considerado em sua totalidade, uma multiplicidade igualmente indefinida de estados possíveis, cada um dos quais deve ser realizado em um dado grau de Existência.
Disso decorre que, rigorosamente falando, a expressão vulgar “existência de Deus” é um disparate, quer por “Deus” entendamos o Ser, como se dá com mais frequência, ou entendamos, a fortiori, o Princípio Supremo que está além do Ser. ↩
Este termo é a tradução mais precisa da expressão árabe equivalente Wahdatul-wujûd. — Sobre a distinção a ser feita entre a “unicidade” da Existência, a “unidade” do Ser e a “não dualidade” do Princípio Supremo, consulte L’Homme et son devenir selon le Vêdânta, cap. VI. ↩