Chaucer trabalhou nos Contos da Cantuária a partir de 1386 ou 1387. Existem 84 manuscritos e edições originais, impressas por Caxton, Pynson, Wynkyn de Worde e Thynne.
Os manuscritos mostram que Chaucer deixou dez fragmentos — com tamanhos variados — de seu grande poema. Editores modernos organizaram esses fragmentos no que parece ser a sequência planejada pelo autor, e que foi deduzida a partir das datas e lugares mencionados nos “elos finais” — como são chamados os colóquios dos peregrinos, inseridos entre um conto e outro. Por conveniência, os fragmentos dos manuscritos foram organizados em grupos, de A a I; o grupo B pode ser subdividido em dois, levando a um total de dez grupos.
A acreditar no que diz o “Prólogo geral”, Chaucer pretendia que cada um de seus peregrinos (cerca de trinta) contasse dois contos na estrada rumo à Cantuária, e mais dois no caminho de volta. Ele jamais completou esse imenso projeto, e nem sequer terminou de revisar completamente as partes que conseguiu escrever. Também há uma ou duas pequenas inconsistências que uma pequena revisão poderia ter retificado.
Nesta tradução, seguiu-se a ordem elaborada primeiramente por Frederick J. Furnivall (em 1868) e depois confirmada por Walter W. Skeat (em 1894). Tal sequência proporciona uma narrativa relativamente contínua e consistente, apresentando uma peregrinação que parece ter durado cinco dias (de 16 a 20 de abril) até os arrabaldes de Cantuária. Nesse ponto, Chaucer abandonou o trabalho, com uma escusa por qualquer ressaibo de pecado que pudesse haver em sua obra.
A ideia de uma coletânea de contos em diversos estilos — adequados aos vários narradores — e unificados formalmente — por meio de um objetivo comum partilhado por todos os narradores — é invenção do próprio Chaucer. Coletâneas de histórias eram comuns à época, mas apenas ele concebeu esse simples mecanismo para assegurar a verossimilhança, a variedade psicológica e a vasta abrangência de temas.
Em toda a literatura, não há nada que se assemelhe ao “Prólogo geral” dos Contos da Cantuária. É o retrato conciso de toda uma nação: ricos e pobres, nobres e humildes, velhos e jovens, homens e mulheres, religiosos e leigos, eruditos e iletrados, honestos e embusteiros; a terra e o mar, a cidade e o campo; tudo está lá, mas sem excessos nem exageros. Além da assombrosa e nuançada clareza com que são apresentados, o traço mais notável nesses personagens é sua normalidade. Eles são a perpétua progênie de homens e mulheres; agudamente individuais, eles formam, estando juntos, uma companhia.
Os contos desses peregrinos vêm de todos os lados da Europa, e alguns têm sua origem nas obras de autores contemporâneos a Chaucer, ou de um período um pouco anterior. Outros contos vêm de mais longe — dos antigos, do Oriente. Eles ilustram todo o escopo da imaginação europeia na época de Chaucer — uma imaginação aficionada de histórias, especialmente histórias com algum ponto engenhoso, das quais pudesse se deduzir uma máxima, uma moral ou uma ideia. Quase todos os contos terminam com linhas proverbiais, com algum tipo de admoestação ou sabedoria extraída do relato, ou com uma bênção para a companhia.
O “Conto do Criado do Cônego” é um dos poucos relatos cuja invenção é atribuída ao próprio Chaucer; alguns comentadores o interpretaram como uma vingança pessoal do autor contra algum alquimista que o teria ludibriado; seja como for, é um dos melhores relatos da coletânea. A função de um contador de histórias do século XIV não era inventar as histórias que contava, mas embelezá-las com todas as artes da retórica, proporcionando entretenimento e instrução. Os contos escolhidos por Chaucer vão desde relatos que ele pode ter escutado — histórias desbocadas que circulavam oralmente, como o “Conto do Moleiro”, que eram conhecidas como fabliaux — até aquilo que o autor havia lido em Boccaccio, em outros mestres clássicos ou nas vidas dos santos. Conforme escreveu John Dryden: “Basta dizer que, conforme o provérbio, aqui se encontra a abundância da Criação”.
NEVILL COGHILL