Anteriormente à época (Idade de Prata) em que se concebia o sagrado como hipostasiado em uma mulher transcendente, a Grande Mãe, resplandeceu no Norte, no paleolítico e no início do neolítico a civilização masculina dos pastores nômades, que era, por essência, teocrática e iniciática. É no seio desta civilização que reinou a Idade de Ouro, que não foi um período de preguiça e de voluptuosidade, mas uma era de incomparável ascese e de renúncia ao universo fenomenal. A beatitude, e a extraordinária longevidade, características destes tempos longínquos, não foram absolutamente devidas a facilidades externas de existência, mas à total maestria do pensamento humano sobre as sensações, e ao número muito reduzido das necessidades. Nada se pode entender desta Idade de Ouro, se perdemos de vista que se trata de uma concepção teocrática, repousando sobre a preponderância da mente e a extenuação da carne. No Gênesis, depois do enfraquecimento da teocracia paleolítica (= dos «filhos de Deus») pelos contatos com a civilização matriarcal (= com as «filhas dos homens»), YHWH declara (Gen VI,3): «Meu espírito não habitará sempre no homem, pois o homem não é senão carne». Este texto revelador bastaria para precisar em que se tinha consistido a idade que acabava de ter fim.
Gordon: Idade de Ouro
O ritual puramente teocrático de criação não comportava a liturgia da sexualidade e as práticas fálicas, impostas, na Idade de Prata, pela civilização feminina da Mãe Divina (vide Hierogamia). De fato punha claramente em valor as ideias fundamentais que sustentavam que o ser humano era inicialmente um sob a pluralidade dos eus, e que vivia não em um mundo visto como um conjunto de mecanismos separados, mas em um universo apreendido como dinâmico, onde os seres eram apreendidos não por meio de impressões superficiais, mas na unidade de sua essência energética. O antiquíssimo cenário sagrado transcrito pelos capítulos II e III do Gênesis, que foi um pouco adulterado posteriormente por sua passagem em meio matriarcal, mas que deste fato não atesta menos e de maneira decisiva, pela preponderância acordada ao elemento masculino, sua fonte teocrática primeira, fornece a este respeito indicações valiosíssimas. Aí vemos, por exemplo, a unicidade primitiva do ser humano marcada pela criação do Eu feminino a partir do ser próprio ao Eu masculino (Eva é extraída de Adão). É o que deu nascimento a ideia, tão frequente na alta antiguidade, que o homem primitivo era bissexuado, ou andrógino. Há aí uma noção de proveniência ritual, e não o fruto de uma especulação. Se se ignora esta origem, se é impedido de explicar que tantas tradições longínquas, nos países mais diversos, tenham visto o hermafroditismo como o primeiro estado do ser humano.
TERMOS CHAVES: idade de ouro