As principais precisões sobre sua lenda são dadas por um famoso hino homérico sobre a Infância de Hermes (vide resumo em RELATO DO MITO GREGO). Não se duvida que estes dados transcrevem com exatidão um antigo cenário sagrado, mostrando em ação os atos do deus recém-nascido. O que é extraordinário é de se atribuir tais façanhas a um bebê. Não se explica também, por outro lado, que um texto, composto em louvor de uma divindade, e ‘que deve ter sido recitado no curso de cerimonias litúrgicas antes de sair ao domínio dos aedos profanos”, tenha podido registrar como maravilhoso tais traços; explica-se ainda menos que um drama ritual anterior tenha podido se compôr de elementos tão bizarros.
Como sintetizar estes empregos e estas figurações díspares? Como se dar conta que esta entidade tão complexa, e quase caótica, tenha se tornado, ao longo do tempo, Hermes Trismegisto, ou seja, o tês vezes grande Hermes, o mestre dos pensamentos transcendentes, o dispensador da luz oculta, o revelador dos segredos iniciáticos, a ponto de Justino o Mártir ter escrito, em uma de suas Apologias (i,22): «Chamamos Jesus–Cristo o Logos; lhe aplicamos a denominação que dais a Hermes».
A multiplicidade de interpretações não fornece a chave dos detalhes míticos essenciais da lenda de Hermes. No final das contas se é levado, em meio a tal multiplicidade exegética, à unidade, quando se põe como essência primeira deste deus o conjunto de ritos iniciáticos, de que foi considerado finalmente como o instaurador.
Evoluindo desde prisca era, Hermes permaneceu, até o final de sua carreira, sob a diversidade de suas faces, uma entidade notavelmente coerente. É possível, no entanto, se alcançar alguma clareza quando se emprega judiciosamente o método comparativo sobre os dados mitológicos; o que se pode efetivamente obter pelo reconhecimento do valor profundo, não só religioso mas histórico e sociológico, do que se denomina ainda a Fábula”, considerada como o reino da invenção pura e da fantasia.