René Guénon — SÍMBOLOS DA CIÊNCIA SAGRADA
VIDE: O SIMBOLISMO DO GRAAL
O SANTO GRAAL
O Sr. [?Arthur_Edward_Waite] publicou uma obra sobre as lendas do Santo Graal,1 que se impõe por suas dimensões e pela soma de pesquisas que apresenta. Nela poderá ser encontrada, por todos aqueles que se interessam pelo tema, uma exposição completa e metódica dos múltiplos textos existentes e das diversas teorias que foram propostas para explicar a origem e a significação dessas lendas muito complexas e, por vezes, até contraditórias em alguns de seus elementos. É preciso acrescentar que o Sr. Waite não pretendeu realizar apenas uma obra de erudição, e é oportuno louvá-lo por isso também, pois partilhamos inteiramente de sua opinião sobre o pequeno valor de todo trabalho que não ultrapassa tal ponto de vista e cujo interesse, em suma, só pode ser “documental”. Ele quis evidenciar o sentido real e “interior” do simbolismo do Santo Graal e da “demanda”. Infelizmente, devemos dizer que essa parte de sua obra é a que nos parece a menos satisfatória; as conclusões a que chega são mesmo decepcionantes, sobretudo se pensarmos em todo trabalho realizado para chegar até aí. É sobre isso que gostaríamos de formular algumas observações que se referirão ainda, como é natural, às questões por nós já tratadas em outras ocasiões.
Não ofenderíamos o Sr. Waite, acreditamos, se disséssemos que a sua obra é um tanto one-sighted; poderíamos traduzir por “parcial”? Talvez não fosse rigorosamente exato e, em todo caso, não pretendemos afirmar com isso que o tenha sido de modo intencional. Seria antes uma espécie de defeito muito frequente entre aqueles que, sendo “especializados” numa certa ordem de estudos, são levados a submeter tudo a essa especialidade ou a descuidar do que não se deixa reduzir a ela. Que a lenda do Graal seja cristã, por certo não se contesta, e o Sr. Waite tem razão ao fazer tal afirmação. Mas isso impediria necessariamente que ela fosse ao mesmo tempo, também, uma outra coisa? Aqueles que têm consciência da unidade fundamental de todas as tradições não verão nisso qualquer incompatibilidade; porém, o Sr. Waite, de sua parte, não quer vê-la de qualquer outra maneira que não seja cristã, fechando-se, assim, numa forma tradicional particular; a partir daí, parece que se lhe escapam as relações das formas tradicionais entre si, em especial quanto à sua dimensão “interior”. Não que ele negue a existência de elementos de uma outra procedência, provavelmente anteriores ao cristianismo, pois isso seria ir contra todas as evidências; mas ele só lhes concede uma importância bem medíocre, parecendo considerá-los “acidentais”, como se tivessem vindo “de fora” juntar-se à lenda, em razão do meio em que foi elaborada. Assim, esses elementos são vistos por ele como dependentes do que se convencionou denominar folclore, nem sempre por desdém como o próprio nome poderia levar a supor, mas antes para satisfazer a uma espécie de “moda” de nossa época, e sem nunca se dar conta das intenções que se encontram aí implicadas. Não será inútil insistir um pouco sobre esse ponto.
THE HOLY GRAIL, ITS LEGENDS AND SYMBOLISM, Rider and Co., Londres, 1933. ↩